Solenidade de Santa Teresa de Jesus, Virgem, Doutora da Igreja e nossa Mãe. Os símbolos do Castelo Interior e a Oração
Neste dia em que celebramos a Festa de Santa Teresa, depois da novena que nos propôs caminhar pelas Moradas de Santa Teresa, buscaremos meditar a respeito dos “símbolos do Castelo Interior e a Oração”, a fim de avançarmos um pouco mais no conhecimento da estrutura do Livro, com um breve teor histórico, teológico, antropológico e espiritual.
Aos sessenta e dois anos, quando escreve o Castelo Interior (ou Moradas), S. Teresa descreve a oração de união com Deus da melhor forma que consegue, especialmente na Quintas Moradas. Várias comparações passam por sua dócil escrita, que traz em si a sabedoria da comunicação. A partir da experiência da união com Deus, enquanto realidade radicalmente transformadora, ela se utiliza de símbolos e comparações na adega do vinho, na cera maleável, no encontro de esposos. Mas há uma advertência final: a união verdadeira com Deus se dá no amor concreto.
O Castelo Interior (CI) é uma obra prima doutrinal e mística de Santa Teresa. Podemos caracterizar esta obra como um tratado de teologia mística, um livro de teologia espiritual, ou ainda, uma obra de antropologia teológica, no dizer de Jesus Cervera. Como livro de teologia mística afirma que o livro apresenta o testemunho da experiência mística teresiana, mas também uma primeira elaboração de um tratado de mística como proposta universalmente válida, seja no que diz respeito aos fenômenos místicos, seja no que se refere à essência da mística, traduzindo a experiência do mistério cristão. Como livro de teologia espiritual, deve ter-se presente que a santa chamou-o no início de “tratado”; e apresenta-se como um modo de fazer teologia dinâmica da experiência espiritual e da vida de graça. O ponto de partida é o limite: o pecado; e o cume da santidade a transformação perfeita da vida em Cristo, a comunhão trinitária e o pleno serviço apostólico à Igreja. Como um livro de antropologia teológica, tem no seu centro a pessoa humana com sua vocação e o seu destino, as suas possibilidades concretas de realização em Cristo, ou seja, uma verdadeira antropologia. Antropologia, antropologia teológica que se abre a realização da vida em Cristo e no Espírito através dos dinamismos da oração e da ascese, da união com Deus e das virtudes teologais e morais, e alcança o sentido puro da santidade. A pessoa é descrita numa efetiva e progressiva transformação até atingir a imagem do homem novo em Cristo, com uma poderosa interioridade e uma grande capacidade de serviço eclesial.
Os símbolos utilizados no CI nos levam a distinguir um símbolo estrutural e unitário ao longo de todo o livro que é o símbolo do “castelo”. Ao lado deste símbolo temos outros que são oferecidos ao longo do itinerário espiritual como necessário complemento às novas experiências espirituais. Temos de fato os seguintes símbolos que ajudam a apresentar os momentos sucessivos da vida mística: O CASTELO INTERIOR (1M); AS DUAS FONTES (4M); O BICHO DA SEDA (5M); O MATRIMÔNIO ESPIRITUAL (5-7M). Claro, mas existem ainda outros símbolos menores ou constelações simbólicas ao redor dos símbolos da água e do fogo, etc; alguns deles são de origem bíblica.
Propomo-nos apresentar aqui, brevemente, explicações dos símbolos do Castelo Interior, auxiliados por Jesus Cervera e pelos próprios escritos de S. Teresa. Ressaltamos que todo esse percurso espiritual vai sendo conduzido ao entendimento da profundidade da vida interior, que se sustenta e cresce através da oração, que acontece e se aprofunda no Mistério de Deus. Assim, S. Teresa explicar que nas Quartas Moradas, se experimenta a oração de quietude; nas Quintas Moradas, a oração de união; nas Sextas Moradas, a oração esponsal espiritual; e, nas Sétimas Moradas, a oração de matrimônio espiritual”. Prosseguimos com os símbolos que muito nos auxiliarão para compreender o Mistério do Amor experimentado na vida de oração.
O Castelo Interior.
É o símbolo estrutural e unitário que aparece desde as primeiras páginas (1M 1,1), depois o Prólogo; e permanece até o Epílogo da obra no qual o símbolo aparece ainda mais transfigurado em castelo encantado com fontes, jardins e labirintos. A primeira inspiração oferece deste castelo uma visão de beleza, luminosidade, amplidão e interioridade: “considerar a nossa alma como um castelo todinho como de diamante ou claríssimo cristal, onde há muitas salas assim como no céu há muitas moradas”.
Explicando, Santa Teresa demonstra claramente ser o Castelo um diamante muito claro, com muitos aposentos: “Estando eu hoje suplicando a Nosso Senhor que falasse por mim, porque eu não atinava com coisa que dissesse, nem como começar a cumprir a obediência, ofereceu-se-me o que agora direi para começar com algum fundamento. É considerar a nossa alma como um castelo todo ele de um diamante ou mui claro cristal, onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas”. (1M 1,1) Porém, no deletoso Castelo, que é a alma, muitos ficam de fora, corre o risco de passa uma vida inteira, sem nele adentrar, embora pareça “um disparate, mas acontece. “Pois, voltando a nosso formoso e deleitoso castelo, temos de ver como poderemos entrar nele. Parece que digo algum disparate; porque, se este castelo é a alma, claro que não se trata de entrar, pois se é ele mesmo, pareceria desatino dizer a alguém que entrasse num aposento estando já dentro. Mas haveis de entender que vai muito de estar a estar; que há muitas almas que ficam à volta do castelo, onde estão os que o guardam, e que se lhes não dá nada de entrar, nem sabem o que há naquele tão precioso lugar, nem quem está dentro, nem mesmo que dependências tem”. (1M 1,5)
As duas fontes e a oração de quietude.
A água, símbolo predileto da Santa em Vida e Caminho, encontra uma sua original aplicação nas IV Moradas no momento em que quer expressar a passagem da vida ascética à vida mística, do esforço à ação gratuita e gratificante de Deus, a partir da própria interioridade. É aqui onde se apresenta as duas formas de receber a água das duas fontes (CI 4M 2,2-6). Uma traz “a água de longe por meio de aquedutos e artifícios”; é o símbolo da obra do homem na oração com o seu esforço e a sua inteligência. “Na outra fonte, a água vem de sua própria nascente que é Deus”. É a imagem expressiva da graça ou comunicação de Deus no mais íntimo da pessoa onde o próprio Deus mora: “a água flui no mais interno da alma” e se versa sobre todo o ser. Este símbolo, belo e expressivo, marca o ponto de passagem da experiência ascética à mística.
Santa Teresa explica as duas fontes dando sentido à vida de oração, de uma fonte pela ascese (esforço humano), e a outra pela ação da Graça, e dirá: “Os que eu chamo gostos de Deus – que em outra parte chamei “oração de quietude” são mui de outra maneira, como entendereis as que os tendes experimentado, pela misericórdia de Deus. Façamos de conta, para o entender melhor, que vemos duas fontes com dois tanques que se enchem de água, que não acho coisa mais a propósito para declarar algumas coisas de espírito que isto de água”.(4M 2,2) Assim, apresenta a diferença para que se plenifique, para que se encha esses dois tanques: “Estas dois tanques enchem-se de água de diferentes maneiras; para uma, vem demais longe, por muitos aquedutos e artifícios; a outra está feita na mesma nascente da água e vai-se enchendo sem nenhum ruído. E se o manancial é caudaloso como este de que falamos, depois de cheio o tanque, segue um grande arroio; não é preciso artifício; nem mesmo se acaba o edifício dos aquedutos, que sempre está correndo dali água”. (4M 2,3)
Damos destaque aqui à explicação da maneira com que se enchem os dois tanques, a fim de considerar de forma clara o processo da vida espiritual, conforme S. Teresa. O primeiro, através da ascese: “A diferença está em que a água que vem por aquedutos, a meu parecer, são os contentos que tenho dito que se tiram da meditação; porque os trazemos com os pensamentos, ajudando-nos das criaturas na meditação e cansando o entendimento; e como vem, afinal, com as nossas diligências, faz ruído quando houver alguma enchente de proveitos que traz à alma, como fica dito”. (4M 2,3)
O segundo, pela ação da Graça, dirá ela: “A esta outra fonte, a água vem da sua mesma nascente, que é Deus; e assim, como e quando Sua Majestade quer e é servido de fazer alguma mercê sobrenatural, Ele produz esta água com grandíssima paz e quietação e suavidade no mui interior de nós mesmos, eu não sei até onde, nem como, nem mesmo aquele contento e deleite se sente como os de cá no coração – digo no seu princípio, que depois tudo enche -; vai-se derramando esta água por todas as moradas e potências, até chegar ao corpo; por isso disse e que começa em Deus e acaba em nós; e é certo, como verá quem o tiver experimentado, todo o homem interior goza deste gosto e suavidade”. (4M 2,4)
O bicho-da-seda e a vida nova
No capítulo 2 das V moradas a Santa querendo expressar a força da transformação da pessoa que brota da oração de união, com a vida em Cristo e os efeitos de novidade, introduz o símbolo, tirado da natureza, do bicho-da-seda que se transforma em borboleta. O símbolo, de extraordinária beleza literária, é capaz por si mesmo de expressar todo o processo de transformação até agora explicada e oferece matéria para continuar também na exposição da graça da nova vida. S. Teresa, porém, embora ofereça uma bonita explicação do todo, detém-se na graça da transformação com a morte do verme e o nascimento da borboleta branca. Essa explicação, apoiada pelo texto bíblico de Cl 3,3 propõe-se como uma original expressão da vida nova. O conteúdo das quintas moradas ilumina-se na perspectiva da vida em Cristo, da graça batismal da morte-ressurreição, com os efeitos da vida nova.
Para este mistério de vida nova a que trata S. Teresa nas Quintas Moradas, ela explica que são poucas almas que chegam a esse estado de oração, porque “são muitos os chamados e poucos os escolhidos:“… bem poucas há que não entrem nesta morada que agora direi. Há mais e menos, e por isso digo que são mais as que entram nelas. Em algumas coisas das que direi que há neste aposento, creio bem que são poucas as que entram; mas, embora não seja senão chegar à porta, é grande a misericórdia que Deus lhes faz; porque, ainda que são muitos os chamados, são poucos os escolhidos”. (5M 2,2)
Embora sejamos Carmelitas, S. Teresa adverte que poucas almas chegam a este estado de intimidade com Deus, pelo fato de se não se dispor à prática das virtudes e do cuidado da vida interior: Assim digo agora que, embora todas as que trazemos este hábito sagrado do Carmo somos chamadas à oração e contemplação (porque este foi nosso princípio, desta casta vimos, daqueles nossos santos Padres do Monte Carmelo, que em tão grande solidão e com tanto desprezo do mundo buscavam este tesouro, esta preciosa margarita de que falamos), poucas nos dispomos para que o Senhor no-la faça encontrar. Porque quanto ao exterior, vamos bem para chegar ao que é preciso nas virtudes; mas para chegar aqui, temos muita necessidade, e não nos descuidar nem pouco nem muito”. (5M 2,2)
S. Teresa aconselha, no entanto que para viver esta experiência de “céu na terra”, que peçamos ao Senhor nos mostre o caminho para cavarmos, e, encontrarmos o grandioso tesouro escondido: “Por isso, minhas irmãs, agora é pedir ao Senhor, já que de alguma maneira podemos gozar do Céu na terra, que nos dê Seu favor para que não falhe por nossa culpa e nos mostre o caminho e dê forças na alma para cavar até achar este tesouro escondido, pois é verdade que está, em nós mesmas, e isto queria eu dar a entender, se o Senhor for servido que o saiba fazer”. (5M 2,2)
O Matrimônio espiritual e a Santíssima Trindade
Para descrever as etapas superiores da vida espiritual nas Quintas e Sextas Moradas, S. Teresa introduz o simbolismo antropológico e bíblico do matrimônio para tornar mais expressiva a comunhão entre a alma e Deus. Embora a imagem da esposa do Cântico dos cânticos comparece desde as Quartas Moradas é somente nas 5M 4,3 que S. Teresa introduz o símbolo com estas palavras: “Com frequência vós escutastes dizer que Deus se desposa espiritualmente com as almas… Trata-se de uma comparação grosseira; mesmo assim não encontro nada que torne mais compreensível estas coisas do que o sacramento do matrimônio”. Visando isso S. Teresa acrescenta um dinamismo na progressiva realização do simbolismo com estas etapas: – “venir a vistas” (apresentar-se) – conhecer-se – relacionamento pessoal: 5M; – “desposar-se (noivar) – enamorar-se – intensificar a relação entre as pessoas: 6M; – “casar-se” (esposar) – unir-se – comunhão perfeita e indissolúvel: 7M.
Como que tirando as escamas dos olhos, e, Deus vai tirando a cegueira da alma, nas Sétimas Moradas, explica S. Teresa: “Aqui é de outra maneira. Quer já o nosso bom Deus tirar-lhe as escamas dos olhos, e que veja e entenda alguma coisa da mercê que lhe faz, embora seja por uma maneira estranha; e metida naquela morada por visão intelectual, por certa maneira de representação da verdade, mostra-se-lhe a Santíssima Trindade, todas as Três Pessoas, com uma inflamação que primeiro lhe vem ao espírito, à maneira de tema nuvem de grandíssima claridade. E por uma notícia admirável, que se dá à alma, entende com grandíssima verdade serem estas Pessoas distintas, todas Três, uma substância e um poder e um saber e um só Deus”. (7M 1,6) Experiência Divina, experiência de Amor e de zelo para com a obra de Deus em todas as suas instâncias: “De maneira que, o que acreditamos por fé, ali o entende a alma, podemos dizer, por vista, ainda que não é vista dos olhos do corpo, porque não é visão imaginária. Aqui se lhe comunicam todas as Três Pessoas e lhe falam, e lhe dão a entender aquelas palavras que diz o Evangelho que disse o Senhor: que viria Ele e o Pai e o Espírito Santo a morar com a alma que O ama e guarda Seus mandamentos”. (7M 1,6)
Por fim, entendamos o conselho fundamental para que se possa caminhar pelas Moradas de Santa Teresa, nada mais e melhor do que tudo fazer por amor, oferecendo ao Senhor os sacrifícios, do interior e do exterior, para que configurando-nos à Cruz de Jesus Cristo, o Pai nos acolha independente do tamanho da obra que estivermos realizando, como diz Santa Teresa: “Enfim, irmãs minhas, aquilo com que quero concluir é que não façamos torres sem fundamentos, porque o Senhor não olha tanto à grandeza das obras como ao amor com que se fazem; e, desde que façamos o que pudermos, Sua Majestade fará com que vamos podendo cada dia mais e mais, conquanto não nos cansemos logo, mas, no pouco que dura esta vida, e porventura será ainda menos do que cada um pensa, ofereçamos interior e exteriormente ao Senhor o sacrifício que pudermos, pois que Sua Majestade o juntará com o sacrifício que Ele ofereceu por nós na Cruz a Seu Pai, para que tenha o valor que o nosso amor tiver merecido, embora sejam pequenas as obras” (7 M 4, 15).
Concluímos nos unindo à Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, suplicando a Santa Teresa que interceda pelo caminho interior e exterior, pessoal e comunitário de cada Carmelita Descalço Teresiano, como também, pela Igreja, por nossas famílias e pelos cristãos do mundo inteiro, para que possam tudo fazer por amor oferecendo-se ao Pai através da permanente configuração a Jesus Cristo.
“Pareçamo-nos, minhas filhas, em algo à grande humildade da Virgem Santíssima, cujo hábito trazemos, que é confusão chamarmos monjas suas, por muito que nos pareça que nos humilhamos ficamos muito longe de sermos filhas de tal Mãe. A humildade trouxe do céu o Filho de Deus às entranhas da Virgem. Não tenho outro remédio senão… confiar nos méritos de seu Filho e da Virgem sua Mãe, cujo hábito indignamente trago… louvai-a, minhas filhas, que o sois desta Senhora verdadeiramente… imitai-a e considerai que tal deve ser a grandeza desta Senhora e o bem de tê-la por patrona”. (C 13,3; 16,2; 3M 1,3)
SANTA TERESA DE JESUS,
ROGAI POR NÓS!
Por:
Estela Maria Teresa de Jesus, OCDS.
Coordenadora da Comissão de Formação
(História e Espiritualidade)
Referências:
JESUS, Santa Teresa de. LIVRO DAS MORADAS ou CASTELO INTERIOR.
CERVERA, Frei Jesus Castellano. TERESA DE JESUS, MESTRA DE VIDA ESPIRITUAL.