O bom humor de Santa Teresa

O bom humor de Santa Teresa

O sentido do humor é uma das facetas da espiritualidade Teresiana. Costuma-se citar como episódio da lenda Teresiana o dito de Teresa: “De santos encapotados livre-nos Deus!”. Pois bem, não é lenda, mas história. Conta-a sua enfermeira e companheira de viagens, Ana de São Bartolomeu, falando de sua maneira de viajar: “Não era amiga de pessoas tristes, nem ela o era, nem queria que aqueles que iam em sua companhia o fossem. Dizia: Deus me livre de santos encapotados”. A santa mesma o ironiza nas Moradas (5,3,11) a propósito dos orantes “encapotados”, que confundem o recolhimento com o encapotamento. Ironiza e graceja, ou seja, capta facilmente o lado cômico de situações e personagens. E o expressa em tom jovial, sem cair no burlão, e muito menos no sarcástico. Admira de verdade uma das mulheres mais cotejadas pelos avilenses de seu tempo, Maridíaz. Porém celebra seu senso de humor.

Recorda-o a uma nobre de Navarra que, como aquela, deixou tudo e se fez noviça carmelita em Sória: “Faz-me lembrar uma santa que conheci em Ávila, e era verdadeiramente santa, segundo se entendia de sua vida. Por amor de Deus dera tudo quanto tinha, reservando apenas um cobertor com que se agasalhava e do qual também se desfez; e, sem mais nem menos, mandou-lhe Deus uma temporada de grandíssimos trabalhos interiores e aridez. Vendo isto, pôs-se a queixar-se muito a Ele e dizia: “Vós sois assim, Senhor? Depois de me terdes deixado sem nada, vos retirais?’…” (carta de janeiro de 1582).

A uma jovem portuguesa, chocarreira e dançarina, dá-lhe o nome familiar de Maribobales. Para ela que era também irmã de véu branco, cabia bem o que a santa diz em “Fundações”: “também entre as panelas anda o Senhor” (F.5,8). Neste mesmo livro graceja recordando a entrada da carroça replata de monjas em Medina, de noite, na hora em que “recolhiam os touros para a corrida do dia seguinte… Foi muita misericórdia do Senhor em não permitir que os encontrássemos” (3,7). Entre os episódios narrados neste livro é típico o da noite de finados, passada no destrambelhado casarão dos estudantes de Salamanca (19,4).

 

Santa Madre graceja a propósito da estatura de de João da Cruz, chamando-o de “meio frade”, “senequita” ou “o santinho do frei João”… Nas correspondências com frei Gracián destila humor quando se vê necessitada de inventar psudônimos para designar certas pessoas: para altas personagens utiliza o Pausado, o Pai Eterno, Matusalém ou Melquisedec…; para os de fácil abordagem usa o Perucho, a Choramingas, Delgada, Periquito, etc… Santa Teresa é capaz de inventar umas gotas de humorismo em sua própria vida mística, inclusive em sua relação com o Senhor, por exemplo, quando se expressa em Vida 18,3-4: “Senhor, olhai o que fazeis.

Que o vosso amor não seja tanto, ó Rei Eterno, que ponhais em risco jóias tão precisosas, aliviando-me algumas vezes com dizer disparates”. Mas é quando se trata da fama de santa que havia entre o povo que ela busca responder com humor. Conta-se que ela temia ficar muito tempo no purgatório, em razão de ser considerada santa. Ninguém rezaria por ela… Numa carta de dezembro de 1579 escreve dizendo desta fama e sugere que naquele lugar façam outros santos por lá, porque ali os santos são feitos na base do grito, e, portanto, sem outro custo.

Os chamado “fioretti”, anedotas ou estórias populares para rir a respeito de Santa Teresa tem uma razão de ser: foi o modo como o povo logrou devolver realismo e autenticidade à imagem da Santa. Enquanto biógrafos, processos canônicos e artistas insistiam unilateralmente no místico, na santa seráfica, em seus êxases, o povo captou a componente festiva, jovial e humorista da sua pessoa e dos seus escritos.

 

Fonte: Humorismo Espiritual – Tomás Álvarez. Dicionário de Santa Teresa de Jesus

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