A VASSOURA DE SANTA TERESA

A VASSOURA DE SANTA TERESA

A VASSOURA DE SANTA TERESARibera, o douto biógrafo de Santa Teresa, conta que a Santa Madre costumava, nos dias de varreção comum, reservar para si o pátio. Viam-na com o hábito modestamente arregaçado, de tamancos, tirar alguns baldes de água, e com ela, pressurosa esfregar o chão, com sua vassoura lançar a água suja no esgoto do jardim e tudo, cuidadosamente, pois ela gostava que reinasse por toda parte um asseio extremo.Um dia, depois de haver cumprido este ato de humildade, vendo suas religiosas rodeá-las na recreação, disse com aquela graça e alegria de costume:– Minhas filhas, qual é o modelo de uma perfeita carmelita?Todas, interrompendo o trabalho, interrogavam-na com o olhar.Uma irmã aventurou uma proposta, depois uma outra: cada uma propunha uma coisa. Santa Madre, porém acenava negativamente com a cabeça; e, com um fino sorriso, repetia:– Não adivinhastes: procurai. Todos os dias tendes nas mãos. Bem que o conheceis!Os espíritos estavam suspensos, aviva-se a curiosidade. Enfim, todas exclamaram:– Nossa Madre procuramos em vão!É preciso pois, vo-los dizer? Minhas filhas o modelo de uma carmelita perfeita é … uma vassoura.-Uma vassoura, nossa Madre?– Sim, uma vassoura; e nós vamos coloca-la aqui de pé, e ela vai pregar-nos com o exemplo;Entrou uma irmã trazendo alçada a vassoura de santa Madre, sendo acolhida por uma modesta gargalhada: pois se alegria fugisse da terra, no carmelo é que se devia procura-la.-Vêde, minhas filhas, diz santa Teresa, os juncos que uma mão industriosa recolheu nas bordas de uma lagoa, exata imagem do mundo, para fazer os secar, liga-los e neles enfiar um pau e fazer esta vassoura que vos apresento.– “Que excelente modelo é ela … Sabe obedecer … Não o negareis; faz tudo o que se quer sem murmurar. Não tem vontade própria; jamais empreende cousa alguma por si mesma; sempre espera que a obediência a mova. Nunca lhe vem ao pensamento dizer: “Mas a coisa seria melhor varrida assim”: não, sua submissão é cega, pronta e constante. Acabado o trabalho atiram-na em um canto: e aí fica sem dizer palavra. São necessários os seus serviços? Sempre a encontram pronta a trabalhar e a sofrer.“Não é esse um verdadeiro exemplo de humildade? Quer se utilize dela para tirar teias de aranha do oratório, ou para esfregar a cozinha, tudo faz com a mesma boa vontade, sem alegar a baixeza do ofício. Para tudo serve sem resmungar. Não ousa ensinar, nem mesmo a última noviça, e muito menos criticar de outrem. Jamais se julga superior às outras … vassouras. Quando se acha a obra mal feita, tranquilamente a recomeça, uma, duas, três vezes, sem de nenhum modo se perturbar: que igualdade de humor! … repreendida não se zanga: não quer guiar os que devem conduzi-la, nem julga-los, nem aborrece-los, nem caçoar deles: imagina que isso seria ofender a Deus … E completamente indiferente pela elevação como pelo o abatimento. Se dela se serve ? A tudo se presta … Rejeitam-na como inútil? Permanece no último lugar sem se lastimar.”“Se acontece que a senhora vassoura se desloca um pouco, a irmã a vira para cima e bate o cabo no chão, toc, toc.”“Ela cala-se, e, concertada, continua seu ofício. Há! Para nós, não é msiter que se nos bata com força na cabeça tão dura, quem quer sempre ter razão e nunca ceder: não é preciso chegar a esse ponto para nos fazer romper em queixas pela repreensão ou humilhação recebida.”“Quem não queria ser criativa e boa como a vassoura? Quem já lhe ouviu dizer não, a quem lhe pediu um serviço?Não sabe guardar rancor. Jogaram-na bruscamente no seu lugar: um instante depois acham-na em paz, pronta como dantes: que espelho de virtudes! Se as vezes ofende alguém, é bem involuntariamente. O coração brando, previdente e amável é um tesouro numa comunidade. Minhas filhas, não é verdade que o progresso de uma alma em Jesus se prova pelo aumento de sua mansidão?“Falemos da vida oculta. Por ventura já se viu esta modesta vassoura exaltar-se na imaginação e querer se mostrar? Quando chega alguém de fora, depressa, se esconde por detrás da porta; aí guarda para Deus só suas belas qualidades a sua sólida virtude. Não quer sair de sua humilde obscuridade, nem mesmo pelo desejo. Ignora as misérias que rege a ternura consigo mesmo ou com os outros, as amizades particulares e suas perigosas doçuras”.“Grande reboliço na casa! Chegada de uma irmã jovem vassoura. A irmã a pões em bom lugar, porque é nova: que serviços vai prestar à comunidade! Mas, como está cheia de si mesma! Com olhar de zombaria muitas vezes considera as mais antigas! Que noviça não se julga um pouco … reformadora? Se começasse por si mesma ?! …“Admirai duas preciosas qualidades de nossa cara vassoura: não se perturba, nem se zanga. Tal me parece dever ser a alma verdadeiramente religiosa: cheia dessa bondade, nascida do fundo do coração, tão carinhosa, verdadeira imagem de Deus, que nossas importunações nunca perturbam; é senhora de si mesma nessa paz celeste, tão arrebatadora, que excede a todo sentimento e que nada aborrece nem enfada. Não se perturbar, nem se zangar: que de mortificações não ocultam estas frases, simples na aparência!“Todavia, minhas filhas, a singular beleza do silêncio: faz ouvir coisas mais altas que a terra. Quem poderá escutar sem espanto o silêncio eterno dos espaços infinitos! … Não é alguma coisa de admirável o silêncio de Deus e a sua longa paciência em face dos crimes que cobre a terra? Considerai o silêncio misterioso do Verbo encarnado nos trinta anos que precederam sua vida pública; o silêncio quase ininterrupto de Jesus sobre a Cruz; o silêncio das almas sepultadas nos claustros, escondidas do mundo, que ai se consome como a lâmpada; o silêncio do zelo, que a fome e sede de justiça devoram e que imola esses santos ardores à vontade de Deus; silêncio dos corações apostólicos que abraça desejo da salvação das almas e que permanece na inação imposta pela obediência, essa voz de Deus …; o silêncio das almas que o sofrimento torna importante a tudo, e que fica crucificadas, sem proferir queixa alguma, como o cordeiro imolado pelos pecados do mundo, se calou torturado pelos seus carrascos; o silêncio da alma de oração, desprezando a terra para se elevar a contemplação celeste; ó sacrifícios heróicos do silêncio cujo merecimento é inexprimível, cuja fertilidade é infinita.“Eis enfim a nossa vassoura exausta no serviço do Senhor, estragada até o cabo, não tendo mais senão alguns destroços sobre a cabeça, esta abandonada, talvez como inútil, num canto. AH! As jovens não encontram prazer perto das velhas.“Em tal ocasião nossa velha vassoura percebeu jovens irmãs, eu queria dizer vassouras novas, rindo-se do pobre trabalho que lhe impuseram e resmungando disseram: É preciso sempre revistar-lhe o trabalho, tão mal feito!”“Mas como do sol no ocaso os últimos raios iluminaram ainda o horizonte de uma claridade, assim nossa heroína, perto do seu fim, proteja em redor de si o brilho sereno de uma vida de sacrifícios a espera que chegue a hora de Deus.”“esse momento soa enfim. Chega uma irmã, uma dessas naturezas ativas, diligentes, amantes da boa ordem em toda parte. Que faz aqui esta vassoura velha, só faz encher a casa: depressa metamo-la no fogo! Vede a vassoura seca, arder no fogão: como levanta para o alto uma tão viva e clara chama”.“Assim o Anjo de Deus, colhe a alma da carmelita que consumou sua obra de dedicação a Jesus: e para acabar de purificá-la, lança-a no Purgatório. Preparada, entretanto como ela está, pela sua mortificação e sofrimento, suas últimas imperfeições ai são rapidamente consumidas, e a alma feliz voa para o Céu, para os braços de Jesus: aí imergindo-se no seu coração, não pode mais senão dizer “Enfim, Senhor, a tanto tempo que eu Vos esperava!”.

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