Uma leitura secular e interessada, de Teresa de Ávila
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Teresa de Ávila amava os livros e escrevia muito bem. Ainda que se queixasse de andar muito escassa de tempo, manifesta que escreve muito “pouco a pouco” e por obediência, e diz de si mesma que “jamais presumi ser escritora”.
Li com interesse vários livros de Teresa, mas só releio a miúdo o da sua Vida onde aparece toda a profundidade da sua existência, a sua ruim saúde de ferro, e um assombroso equilíbrio vital alcançado num processo de tensão e melhoria constante, em que o seu sentido da realidade é o fruto de uma positiva aprendizagem a partir do sofrimento. Ela fala de “fazer força com a ajuda do Senhor” e “obter grande contentamento”.
Cristão laico como sou, e convencido de que o nuclear da experiência cristã é o seguimento de Jesus e uma espiritualidade encarnada ao serviço dos outros, sobretudo dos mais débeis e pobres, atrevo-me a fazer a minha leitura, secular e interessada, do que Teresa escreve.
Viveu 30 anos na Encarnação, repete que anda “enamorada da Sagrada Humanidade de Jesus”, procura “trazer Jesus Cristo nosso bem e Senhor presente dentro de mim ” e, segundo diz, “esta é a minha maneira de oração”, tudo para acabar manifestando como Paulo “que não vivo eu já, mas que Vós, Criador meu, viveis em mim”.
Chama a minha atenção a paz que lhe trouxe o seu discernimento para escolher entre ser monja ou casar-se e como, por trás da escolha, conta que “só quem goza disso o entende” .Como cuidava “de não tratar mal de ninguém por pouco que fosse… olhar as virtudes dos outros e tapar os seus defeitos” .Como recomenda saber perder o tempo, “muitas vezes tornar a ser crianças e a mamar”, e “andar com alegria e liberdade”, todo um programa de vida, agora que o neo-capitalismo quer arrancar-nos ambas as coisas e, como diz o filósofo Ángel Gabilondo, “a felicidade converteu-se numa forma de resistência”.
Tomo nota do seu olhar cristão sobre a realidade, porque “Deus está em todas as coisas” e “se há- de buscar o Criador pelas criaturas”, “pondo os olhos no verdadeiro e perpétuo reino que queremos ganhar” atento a que “nestes tempos são necessários amigos fortes de Deus para sustentar os fracos”. E tento segui-la nisso que propõe a um laico: “se é secular, louve a Deus, pode escolher a quem estar sujeito, e não perca esta tão virtuosa liberdade”.
Quero, como ela, uma Igreja plural porque “por muitos caminhos e vias leva Deus, eu quero levar a minha e com os outros não me intrometo”, desejo “ir pelo vale da humildade” e ainda confio na sua reforma porque “as religiões têm estado relaxadas” . Com Teresa, digo que “olhando Cristo na cruz, pobre e despido, não poderia pôr a hipótese de ser rica” e sinto que acercando-me do que “ainda que fosse Deus era homem… O posso tratar como amigo, ainda que seja o Senhor; porque entendo que não é como os que cá temos por Senhores, que põem todo o domínio em autoridades postiças”.
Finalmente, como Teresa, reconstruo-me no contacto com a Natureza e “com as fontezitas que vi emanar” e procuro saborear a Sagrada Escritura, onde há água de rio, de poço, de arcabuz e de chuva fina, “na oração, que é como uma centelha que começa o Senhor a acender… do verdadeiro amor seu”.
Javier Pagola. Periodista
FONTE: http://teresadejesus.carmelitas.pt/index/index.php