RECORDAR É VIVER… UM POUCO DE NOSSA HISTÓRIA: FUNDAÇÃO DO CARMELO DESCALÇO FEMININO NO BRASIL.

RECORDAR É VIVER… UM POUCO DE NOSSA HISTÓRIA: FUNDAÇÃO DO CARMELO DESCALÇO FEMININO NO BRASIL.

Na América, o
aparecimento e desenvolvimento do Carmelo Descalço feminino deu-se, em certa
medida, de forma semelhante ao caso francês e belga. Sem poder contar com a
iniciativa direta da Ordem, muitos colonos que alimentavam o desejo de que se
fundassem conventos carmelitas em suas terras, tiveram que constituí-los por
conta própria, recebendo quando muito um apoio indireto por parte da Ordem.
Foi o que
ocorreu no caso do Brasil. Aqui, o primeiro Convento de Carmelitas Descalças
surgiu do empenho pessoal de uma leiga, Jacinta
Pereira Aires
, filha de importante família de Colônia, que com o apoio do
Bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei João da Cruz, Carmelita Descalço e do
Governador da Província, Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela o fundou,
em 1750, nas encostas do morro do Desterro, nas imediações do atual Bairro da
Lapa.

Madre Jacinta de São José
Madre Jacinta – como ficou conhecida por todos, apesar
de nunca haver professado canonicamente – nasceu no Rio de Janeiro, a 15 de
outubro de 1715, de pais profundamente cristãos. Crescendo nesse ambiente de
profunda religiosidade, desde pequena foi favorecida de graças extraordinárias
e tornou-se admirável por suas virtudes e pela vida perfeita que levava na casa
paterna. Jacinta sentiu-se naturalmente inclinada a abraçar a vida religiosa.
Revelou o seu desejo à sua irmã Francisca, e ambas resolveram entrar num
Convento. Não havendo, porém, convento de religiosas, naquele tempo, no Rio de
Janeiro, o padrasto – pois seu pai já havia morrido – requereu a licença de Sua
Majestade D. João V, Rei de Portugal, que benignamente deferiu, a fim de que
Jacinta e sua irmã Francisca fossem para Lisboa e aí escolhessem o Convento e a
Ordem que mais lhes agradasse.
É interessante a
observação da historiadora Leila Mezan Algranti: “Numa colônia de população tão rala, não havia espaço para a vida
contemplativa feminina. Embora a presença de religiosos homens tenha marcado a
colonização desde o início, o estabelecimento de congregações de mulheres é bem
posterior. Mesmo quando a colonização já ia avançada, nos séculos XVII e XVIII,
a Coroa procurou manter-se fiel à política de incentivo ao casamento,
proibindo, sempre que possível, o surgimento de mosteiros para mulheres,
principalmente nas zonas menos povoadas e pouco desenvolvidas”.
Faltando, contudo,
pouco tempo para seu embarque a Lisboa, um acidente impediu Jacinta de deixar o
Rio de Janeiro. Presa à cama com o quadril fraturado, sem poder andar ou ficar
de pé, Jacinta se viu obrigada então a abandonar seu projeto.
Mais tarde, já
se convalescendo da fratura, Jacinta “um
dia, ao descer a ladeira do Desterro, depois de assistir à Missa que ali era
celebrada, teve a FELIZ INSPIRAÇÃO de escolher naqueles arredores um lugar
solitário para aí, com sua irmã e outras piedosas donzelas, que a quisessem
acompanhar, viver debaixo de uma Regra”
.
Encontrando uma
chácara abandonada, conhecida como chácara da Bica, Jacinta, com o apoio de um
tio conseguiu adquiri-la por preço moderado e, no dia 27 de março de 1742,
acompanhada por seu irmão por parte de pai, que era sacerdote, e uma criada,
deixou a casa paterna e, “depois de se
ter confessado e comungado ouvido Missa na ermida do Desterro, foi encerrar-se
naquela chácara isolada, com a firme intenção de nunca mais sair dali”.
No
dia seguinte, Francisca juntava-se a Jacinta. As duas, com a ajuda do irmão
José, improvisaram então, em meio às ruínas da chácara, um insólito convento,
estabelecendo inclusive clausura. Construíram uma capelinha em honra ao Menino
Deus, que ainda hoje existe na Rua Riachuelo, restaurada pela Sociedade de São
Vicente de Paulo.
Logo a notícia
do aparecimento da nova casa se difundiu por toda a cidade, causando ótima
impressão na opinião pública, e no poder civil e eclesiástico da Colônia.
Assim, a partir de 1748, outras jovens foram se agregando a elas e, desde
então, Madre Jacinta passou a contar com o apoio e a admiração do governador, o
Conde de Bobadela, Gomes Freire de Andrade e do Bispo, D. Frei João da Cruz.
Aconselhada pelo confessor do bispo, Frei Manoel de Jesus, também Carmelita
Descalço, Madre Jacinta resolveu adotar, para regular a vida de sua nascente comunidade,
as Constituições da Reforma Teresiana, ainda que oficialmente as donzelas da Chácara
da Bica continuassem a ser leigas.
Desejosa de
transformar o recolhimento, em Convento Carmelita Descalço, Jacinta pede a
autorização e o apoio do bispo D. Frei João da Cruz que, entusiasmado com a ideia,
iniciou os procedimentos para obter as licenças que deveriam ser dadas por Roma
e pela Coroa portuguesa. Entrementes, permitiu que se recebesse oficialmente
postulantes em seu recolhimento, autorizando que vestissem o hábito carmelitano
depois de cumprido o tempo regular da profissão religiosa. Ao mesmo tempo,
Madre Jacinta, providenciava com o Governador o projeto do edifício que
abrigaria a primeira comunidade carmelitana do Brasil, cuja pedra seria
assentada pelo Bispo, às 15:00 hs do dia 24 de junho de 1750.
O Governador,
Gomes Freire de Andrade, atraído pela fama das virtudes de Madre Jacinta e suas
filhas, foi visitá-las com o Bispo D. Antônio do Desterro e adquiriu-lhes tão
grande estima que, tendo alcançado do Bispo a doação da antiga ermida do
Desterro (não se pode precisar o ano de sua fundação. Sabe-se que sua
construção data de 1629, no dia 15 de agosto.), que há mais de um século se
elevava no outeiro do mesmo nome (o atual Morro de Santa Teresa), um pouco
acima da Chácara, onde muitas vezes ela tinha ido rezar, edificou ao lado o
Convento de Santa Teresa, à sua custa, segundo o projeto do Brigadeiro José
Fernandes Alpoim, indo muitas vezes inspecionar o andamento da construção.
Antes, porém,
que pudesse encaminhar os pedidos de oficialização do Convento, D. João da Cruz
viu-se obrigado a deixar a Diocese, passando o governo a D. Frei Antônio do
Desterro, franciscano, que orientado por Madre Jacinta e pelo Conde de
Bobadela, deu prosseguimento às gestões de seu antecessor. No momento de pedir
autorização para a fundação de um Convento Carmelita, o fez para um de
Clarissas. Ao saberem disso, quando chegou o Breve Pontifício, em janeiro de
1751, Madre Jacinta e suas companheiras não o aceitaram, recusando-se a
professarem numa Regra que não condizia com as suas reivindicações. Sentindo-se
traídas, pediram a intervenção do conde de Bobadela para que convencesse o
Bispo a mudar de ideia e lhes permitissem professar na Regra que haviam
escolhido. Como ele se mantinha inflexível, Madre Jacinta decidiu resolver
pessoalmente a questão, indo a Lisboa em busca de um novo breve e da licença
real.
“Uma teia de intrigas desencadeou-se a partir da
viagem de Madre Jacinta…”
Mas depois de examinar os documentos referentes ao
caso e investigar pessoalmente a Madre, o Padre Col manifestou-se favorável ao
seu pedido, julgando-a capaz e bem intencionada.
Entretanto,
buscando testar a humildade e obediência da brasileira, sugeriu ao monarca, em
seu parecer, “que lhe fosse vedada a
condição de Fundadora e Priora e que, para o estabelecimento do convento,
fossem enviadas de Portugal carmelitas experientes”
. Assim instruído e
tendo entrevistado pessoalmente Madre Jacinta, o rei, D. José I, não apenas
expediu o lavará favorável, como ainda providenciou para que seu representante
em Roma, Antônio Freire de Andrade Encerrabodes, obtivesse a fundação de um
convento segundo a Regra e as Constituições da Reforma Carmelitana de Santa
Teresa. Este foi expedido no dia 22 de dezembro de 1755.

Munida das
devidas licenças, Madre Jacinta retornou ao Brasil, aportando no Rio de Janeiro
a 17 de abril de 1756.
Apesar das
autorizações, o bispo D. Antônio não quis professar canonicamente Madre Jacinta
e suas filhas, indo de encontro às disposições oficiais de Roma e Portugal.
Porém, em vista desta divergência irreconciliável, o conde de Bobadela achou
prudente não insistir mais, esperando que com o tempo, havia afinal de desaparecer
todos os embaraços.
Madre Jacinta
que podia apelar à Corte e à Sé apostólica, resolveu aceitar o conselho do conde
e não insistiu mais no assunto. Em 1757, concluídas as obras do edifício do
convento, Madre Jacinta e suas filhas ali se recolheram definitivamente, “vivendo em observância religiosa, seguindo
em tudo a Regra e Constituições da reforma carmelitana”…
 Em 1767 (dez anos após a fundação), o
Recolhimento de Santa Teresa contava já com 21 mulheres, número máximo definido pelas Constituições.
Madre Jacinta
findou seus dias na prática constante das virtudes e no dia 02 de outubro de
1768 morre aos 52 anos de idade, sem ter podido receber a profissão canônica.
Seus restos mortais são conservados no Convento de Santa Teresa, assim como os
do fundador, Gomes Freire de Andrade, falecido em 1º de janeiro de 1763.
As filhas de
Madre Jacinta continuaram recolhidas em seu Convento, imitando os exemplos de
sua admirável Fundadora, até que após a morte de D. Frei Antônio do Desterro,
ocorrida em 1773, o seu sucessor, D. Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo
Branco em 1780, reconheceu oficialmente a clausura e vestiu canonicamente as
recolhidas com o hábito carmelitano. Em seguida, no dia 23 de janeiro de 1781,
finalmente, as filhas de Madre Jacinta professaram os votos religiosos solenes.


Segundo texto biográfico, com menção maior à
história de Francisca, irmã de Jacinta, também vocacionada ao Carmelo Teresiano
como ela:
Em 15 de outubro
de 1715, festa de Santa Teresa, nasceu no Rio de Janeiro a fundadora do
Convento de Santa Teresa. Eram seus pais José Rodrigues Aires e Dona Maria de
Lemos Pereira, pessoas nobres e abastadas. Morrendo o pai, a mãe contraiu
segundas núpcias com o comissário-geral de Artilharia, André Gonçalves dos
Santos, também viúvo, que levava consigo três filhos do primeiro matrimônio.
Foi em 07 de outubro de 1730. Só se conserva o nome do mais velho, José
Gonçalves, futuro biógrafo e cooperador da madre Jacinta. Esta, logo à primeira
vez que o recebeu em casa, tomou-o nos braços dizendo: “Este é meu: quero cuidar dele”. Tornou-se o “filho de sua escolha”.
    
Desde pequenina,
Jacinta desejava a vida do claustro. Em seu padrasto encontrou apoio, e,
finalmente, conseguiu licença da mãe – que sempre se opusera à sua vocação –
para ir a Lisboa realizar seus desejos, por não haver então convento de freiras
no Rio de Janeiro. O próprio André Gonçalves requereu a licença, e El Rei Dom
João V a concedeu para Jacinta e sua irmã Francisca embarcarem numa frota que
ia rumo a Lisboa, a fim de aí escolherem convento a seu gosto. Naquele tempo, era
necessário permissão régia. Nas vésperas da partida, em consequência de uma queda,
deslocou Jacinta um quadril e ficou de cama por muitos meses, sem poder
executar seu intento.
Confessava-se
nessa época a um capuchinho, frei Jacinto de Foligno, que viera em 1738 para o
Rio, chefiando a primeira leva de missionários italianos, estabelecidos
provisoriamente na Ermida do Desterro. Já convalescente, descendo um dia de
caminho para casa, com Francisca e José Gonçalves, pôs-se Jacinta a considerar
a chácara da Bica, em Matacavalos (hoje Rua do Riachuelo). À tarde, foi
visitá-la. Era lindo o lugar: ermo, coberto de arvoredos, sem trato, parecia
convidá-la a iniciar ali a vida de oração e retiro com que sonhara desde
pequenina. Umas casas de taipa, arruinadas, sem portas, com paredes a cair; uma
fonte, um pé de manjericão e nada mais.
Num relance
formou seu plano: começaria naqueles casebres abandonados. Ao retirar-se,
colheu uns raminhos de manjericão e plantou-os junto à fonte. Tratou logo de
comprar a chácara, mas o negócio só se concluiu em princípio de março de 1742.
Caiu a Páscoa nesse ano em 25 de março. Na terça-feira 27, Jacinta, acompanhada
apenas de uma escrava e de seu “filho” dileto, José Gonçalves, partiu de
madrugada, sem se despedir dos seus. Tomou a imagem do Menino Deus e meteu-a no
seio. Foi à Ermida do Desterro, confessou-se, assistiu à Missa, comungou e
depois se encerrou no retiro da chácara.
Apenas entrou,
foi seu primeiro cuidado procurar acomodação para a imagem. Tudo encontrou
arruinado, vazio. José Gonçalves, indo ao terreiro, trouxe dois paus, fincou-os
paralelamente pelas fendas de uma parede, estendeu por cima o lenço e amarrou-o
por baixo, de modo a formar uma superfície plana. Em seguida, colheu dos
manjericões, plantados em redor da fonte, e algumas flores do mato, formando um
arquinho ou nicho improvisado onde Jacinta, com devoção, entronizou a santa
imagem.
Depois Jacinta
mandou José Gonçalves comprar fechaduras e pregos, e ele, com ferramentas
emprestadas por um escravo dos capuchinhos, colocou-as nas duas principais
portas. Na mesma tarde, foram visitá-la seu padrasto e seu irmão Sebastião, e
no dia seguinte, pela madrugada, chegou Francisca para encerrar-se com sua irmã
na chácara.
Imagem do Menino
Jesus que pertenceu
à Madre Jacinta.
A capela do Menino-Deus
Determinou-se
logo Jacinta a fazer na própria chácara uma capela ao seu Menino Jesus. Mandou
José Gonçalves vender uns brincos e com o dinheiro comprar cal à Casa do
Alcântara, e deu começo às obras. Rápida foi a construção, sob a direção
pessoal de Jacinta. À tardinha e nas noites de luar trabalhavam os irmãos
ativamente, carregando pedras. Jacinta as levava às costas num saco, Francisca
à cabeça e o prestimoso José, ajudado por alguns escravos da família, as
transportava num carrinho de mão.
Não tardou em
chegar a notícia ao capitão-general Gomes Freire de Andrade, por meio do
jesuíta padre Luís Tavares, e logo quis concorrer para as obras da capela. Em
31 de dezembro de 1743, foi benta, segundo o ritual romano, e no primeiro dia
do ano de 1744 celebrou aí a primeira missa Frei Manuel de Jesus, secretário do
bispo Dom João da Cruz, ambos carmelitas descalços. Ao regressar de uma viagem
que fizera a Minas, quis o bispo presenciar o que lhe dizia Frei Manuel de
Jesus. Foi celebrar Missa na capela, e estava como fora de si ao ver tão grande
pobreza e recolhimento.
Em 1741, D. João
da Cruz tentou adiantar as obras do futuro Convento da Ajuda, da Regra de Santa
Clara, edificando-o mais perto do mar, e lançou a primeira pedra em 14 de maio
de 1742. Convidou Jacinta para a fundação, mas ela já estava firme na sua vocação de seguir a Regra de Santa Teresa,
o que o prelado louvou, e cedeu.
O valor da obediência: o “milagre do coentro”.
Tinha Jacinta
vinte e seis anos de idade, e Francisca vinte e dois, quando se retiraram à
chácara da Bica. Viviam as duas naquela austera solidão, observando a regra das carmelitas descalças. Estando Jacinta uma
tarde fora da porta da casa com Francisca, apanhou do terreiro umas pedrinhas e
disse à sua irmã que as semeasse porque havia de dar coentro. Francisca semeou
as pedras e passado o tempo costumado colheu um molho de coentros e levou-o a
Jacinta, que lhe perguntou se não tinha visto que eram pedras o que lhe dera.
Ao que ela respondeu que sim, mas creu, que se Deus quisesse, as pedras dariam
coentro. Assim conta com ingenuidade a madre Inácia Catarina.
A morte de Irmã Francisca
Em consequência
talvez da vida de excessivo trabalho e das austeridades que abraçara, Francisca
foi atacada de tuberculose pulmonar. Antes de morrer, teve a alegria de ver
ordenados seu irmão Sebastião e José Gonçalves. Nos grandes sofrimentos da
última doença, guardava sempre o mesmo semblante alegre e sereno. Disse-lhe o
padre Nunes, seu confessor: “Minha filha, bem pode gemer para se desafogar um
pouco: não é imperfeição”. E desde então ela dizia algumas vezes, em voz sumida
e quase imperceptível: “Ai, meu Deus!” Na manhã de 13 de julho de 1748 expirou,
tendo de idade cerca de trinta anos.
Dela disse o
padre Antônio Nunes: “Sua vida era de
muita pureza de consciência, de coração mui singelo, o espírito mui liberto e
recatado, muito alegre e muito mortificada, sem afetações, sem fingimentos, nem
beatices exteriores, muito sofredora, muito pacífica e muito humilde, sem
apego, muito pronta à voz da obediência sem a menor dificuldade, muito
compadecida, muito caritativa, muito dada à oração e com muita solidez nos
exercícios dela, sendo igualmente muito trabalhadora, ainda que padecia algumas
queixas temporais.
”.

Extraído de
“Notícia Histórica do Convento de Santa Teresa”. Rio de Janeiro,
Edições Cartas Marcos, s.d., excertos p.9-12. Adaptado e ilustrado para ser
postado por Leopoldo Costa

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