PAZ, FRUTO DA AMIZADE COM DEUS EM SANTA TERESA DE JESUS

PAZ, FRUTO DA AMIZADE COM DEUS EM SANTA TERESA DE JESUS

Fr. Alzinir Francisco Debastiani OCD


A
paz é um fruto do Espírito Santo (Gál 5, 22), característica essencial do Reino
que Jesus veio ser e anunciar ao mundo, deixando-a como herança aos discípulos
no dia de sua Ressurreição (Lc 10,5; Jo 14,27). Em seu sentido bíblico (shalom) significa a plenitude da vida e
de bens materiais e espirituais que Deus quer para todos os seres humanos.  Jesus Cristo, vindo do seio da Trindade,
personifica a paz salvífica (Ef 2,14), trazendo a reconciliação entre o ser
humano e Deus e entre todas as pessoas humanas, independente de raça, da
religião, da condição social ou de gênero. A paz definitiva e total acontecerá
somente na eternidade (GS 39).


Nos
escritos de Santa Teresa de Jesus a paz aparece como um dom interior à pessoa, fruto da amizade
profunda com Jesus, que será plena nas sétimas moradas. Ao mesmo tempo a paz é exterior e fruto da prática das virtudes
do amor, desapego e humildade, condições necessárias à oração.  
Por
isso 
“… importa mucho
entendamos lo muy mucho que nos va en guardarlas para tener la paz que tanto
nos encomendó el Señor, interior
y exteriormente…” (C 4,4).

Teresa
vê na prática do amor fraterno a fonte da paz entre os membros de uma
comunidade. Dando orientações para viver o amor fraterno, retorna ao
ensinamento de Jesus: o amor é uma virtude que não exclui ninguém, como o Pai celeste
que faz o sol surgir sobre bons e maus e chover sobre o campo dos justos e
injustos (Mt 5,45).
Assim diz Teresa:
“todas han de ser amigas, todas se han de amar, todas se han de querer, todas
se han de ayudar” (C 4,7; cf. GS 78).
O amor cristão, cuja fonte é
o amor de Deus em Jesus e que habita em cada pessoa por meio do Espírito Santo,
é vivido para com cada pessoa concreta em particular (cf. Mt 25, 31-46); ao
mesmo tempo não exclui ninguém, é universal. A este propósito, escreve Bento
XVI: “
Amor a Deus e amor ao
próximo são inseparáveis, constituem um único mandamento. Mas, ambos vivem do
amor preveniente com que Deus nos amou primeiro. Deste modo, já não se trata de
um ‘mandamento’ que do exterior nos impõe o impossível, mas de uma experiência
do amor proporcionada do interior, um amor que, por sua natureza, deve ser
ulteriormente comunicado aos outros. O amor cresce através do amor. O amor é ‘divino’,
porque vem de Deus e nos une a Deus, e, através deste processo unificador,
transforma-nos em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só,
até que, no fim, Deus seja « tudo em todos » (1 Cor 15, 28) (Deus caritas est, 18).


Daqui
o alerta de Teresa para os fechamentos àqueles que não me agradam ou não me são
simpáticos, ou mesmo contra a valorização do outro somente pelas suas
qualidades humanas exteriores: “guárdense de estas particularidades, por amor
del Señor, por santas que sean, que aún entre hermanos suele ser ponzoña y
ningún provecho en ello veo” (C 4,7; cf.: 1 M 2,18).


Pelo
contrário, a vivência do amor fraterno em Teresa se traduz em atitudes de
serviço e na prática do bem para com os irmãos na fé (Gál 6,10), no alegrar-se
com seu crescimento nas virtudes (cf.: C 7,9), bem como no promover o bem (cf.
C 40,3), entre outras. Tudo isso leva ao crescimento da caridade e traz “gran
paz” (C 4,7). Ao mesmo tempo é um dos sinais que acompanha a humildade
autêntica (C 39, 2) e o verdadeiro temor de Deus (C 40,9). A paz será perpétua
no Reino (C 30,5).


Na
maturidade espiritual, a paz profunda é fruto da graça de união com Deus (6 M
8,3.7). Será constante na vida da pessoa, mesmo em meio às tribulações e
trabalhos pelos quais passa (7 M 2, 6.7-11; 7 M 3,5.15). O beijo do Senhor é
fonte de paz profunda e marca o estado de quietude e calma final das sétimas
moradas: efeitos que “são concedidos por Deus quando aproxima a alma de Si, com
o ósculo que Lhe rogava a Esposa. Aqui, a meu ver, se cumpre o pedido” (7 M 3,13).


Na
Meditação sobre o Cântico dos Cânticos,
Teresa explicitando o sentido de algumas
frases do Cântico dos Cânticos, escreve sobre a verdadeira e a falsa paz (Cap.
2-3). Ao comentar a frase “beije-me com o beijo de sua boca”, diz que ele simboliza
a amizade e a paz entre duas pessoas (Conc. 1,12). No cap. 2 “trata da
falsa paz
que oferece à alma o mundo, a carne e o demônio” (tit. E n. 14;
cf V 5,9; 39). Aqui Teresa alerta para ser vigilante no caminho espiritual,
tendo o cuidado de olhar “como andamos no interior e no exterior” (2,2), pois
não há “segurança enquanto vivemos nesta carne” (V 39,20).

Existem
várias formas de falsa paz.  Para Teresa elas
são fruto da imersão em pecados e vícios mundanos, de maneira que nada mais causa
remorso de consciência e que significa que a pessoa tornou-se amiga do mundo e
do demônio (1,1). Da mesma forma, quando se relaxa em coisas pequenas na busca
da perfeição da caridade, nelas perseverando e  não sentindo remorso na consciência, é má paz
(1,2). A paz que vem do apego e uso egoísta das riquezas (2,8-10), das honras
do mundo (2,11-13) o qual “exalta senão para rebaixar” (2,13), bem como a que
vem do comodismo, pois quando “o corpo engorda, a alma enfraquece” (2,14-15),
são dentre outras, formas da falsa paz, passageira e enganosa, contra as quais
somos alertados por Teresa.
Possamos
então seguir na busca de viver a bem-aventurança dos que trabalham para
construir a verdadeira paz (Mt 5,9), cuja fonte é a união com Deus em amizade
com Cristo e com os demais que nos rodeiam, através da prática das “virtudes
necessárias para ter paz no interior e no exterior” (C 4,4). 

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