Liturgia das Horas: mergulho poético

Liturgia das Horas: mergulho poético

Wallace Bertoli Moreira

O espaço literário carmelitano desta edição quer convidar você a mergulhar um pouco na literatura poética da Liturgia das Horas, de forma especial nos hinos que compõem essa tão bela oração da Igreja. Segundo o Estatuto Particular da Província São José da Ordem dos Carmelitas Descalços Seculares, no titulo III da Vida Espiritual, art. 4º II – A Liturgia das Horas [apud DÍDIMO (Org.), 2016, p. 112] “o membro (carmelita) deverá celebrar diariamente a Liturgia das Horas, Laudes e Vésperas, e as Completas quando possível”.

O livro dos Atos dos Apóstolos, do Novo Testamento, relata que os cristãos, os batizados, desde o início “eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2, 42). As comunidades primitivas transformavam a experiência de encontro com Jesus Ressuscitado em oração e vida. Como eles, nós somos chamados a rezar com a Igreja a oração própria da Igreja juntos, como irmãos e irmãs, na participação do Sacerdócio de Cristo, que recebemos pelo Sacramento do Batismo. Deus vive em nós e nós somos a Igreja, corpo místico de Nosso Senhor Jesus Cristo; somos consagrados como casa espiritual, em sacerdócio santo (LG, nº 10); somos a Igreja que continua a oração de Jesus, pela ação do Espírito Santo, neste caminho de encontro com Deus pela oração; somos chamados à santidade e à amizade com o Bom Deus, para construir um mundo novo e solidário, trilhando o caminho do carisma carmelita teresiano.

A Liturgia das Horas, entre os outros exercícios da vida de oração do Carmelo, nos leva a cultivar a amizade com o Bom Deus, pois, celebrando o culto, nos conduz ao caminho de santificação e à consagração do tempo. Hoje, quase não temos mais tempo, e estamos sempre dizendo que o tempo passa tão rápido, que não conseguimos fazer nossos trabalhos e atividades. De certo modo, isso é verdade, em função da correria a que a vida cotidiana nos remete, mas aqui está a nossa oferta e a nossa entrega: neste tão belo encontro de oração eclesial, demonstramos o nosso amor e a nossa amizade ao Deus Trindade, e assim podemos proclamar que Deus é o Senhor do tempo das nossas vidas.

Vejamos o que a Santa Igreja Católica nos diz sobre a vocação leiga e a oração litúrgica da Igreja:

Os grupos de leigos, em qualquer lugar em que se encontrem reunidos, são convidados a cumprir essa função da Igreja, celebrando parte da Liturgia das Horas. Seja qual for o motivo pelo qual se reuniram: oração, apostolado ou qualquer outra razão, convém que aprendam a adorar a Deus Pai em espírito e verdade, antes de tudo na oração litúrgica (…). Convém que a família, qual santuário doméstico da Igreja, não apenas reze a Deus em comum, mas celebre, além disso, algumas partes da Liturgia das Horas, segundo pareça oportuno, inserindo-se, com isso, mais intimamente na Igreja (INSTRUÇÃO GERAL SOBRE A LITURGIA DAS HORAS, Nº 27).

Edificados sobre essa rocha firme, podemos, então, mergulhar neste caminho de oração, neste apreciar a fantástica literatura que essa oração eclesial contém. É um mergulho literário na Tradição da Igreja, recheado de poesias, cânticos, textos bíblicos de diversos gêneros (evangelho, cartas, históricos, sapienciais e pastorais, entre outros), é um tesouro do Espírito Santo para a Igreja orante, que celebra o mistério pascal a cada dia.

De forma especial, analisemos um pouco dos hinos que celebramos no louvor da manhã (Laudes), recitado no início do dia, e no louvor vespertino (Vésperas), ao fim da tarde. Após o versículo introdutório: “Vinde, ó Deus (…)”, temos os hinos correspondentes a cada dia que celebramos a Liturgia das Horas. Simplesmente belos, são verdadeiras poesias que fazem o coração rezar e, que, mediante ao gênero literário da poesia, e com suas rimas e notas poéticas, introduzem o fiel na experiência da fé. Esses hinos são caracterizados por composições de versos bem estruturados com uma forma tão harmoniosa, que o cristão é levado, pela manifestação da beleza e estética e pelos dons do Espirito Santo, a se comover, despertando o desejo de entrar no mistério celebrado. Como exemplo, os hinos das Laudes mencionam o sol que nasce em nossas vidas, que dissipa toda a cegueira e trevas, para que caminhemos a luz do novo dia, na presença de Cristo Jesus:

Já surge a luz dourada,

a treva dissipando,

que as almas do abismo

aos poucos vai levando. 

Dissipa-se a cegueira

que a todos envolvia;

alegres caminhemos

na luz de um novo dia.

(Laudes, Qui, 5ª Semana do Tempo Comum).

Da mesma forma, nas Vésperas, o sol se põe e vai se escondendo, mas pedimos que não haja trevas em nossos corações, porque o verdadeiro sol e luz do mundo é Jesus Cristo, que permanece conosco todos os dias até o fim dos tempos (Mt 28, 20b).

Devagar, vai o sol se escondendo,

deixa os montes, o campo e o mar,

mas renova o presságio da luz,

que amanhã vai de novo brilhar.

Este é o sol que jamais tem ocaso

e também o nascer desconhece.

Canta a terra, em seu brilho envolvida,

nele o céu em fulgor resplandece. 

(Vésperas, Qua, 2ª Semana do Tempo Comum).

Iluminados por Deus Espírito Santo e unidos a nossa mãe e irmã, a Senhora do Carmo, possamos ser cristãos orantes, e apreciar com piedade a beleza literária e encantadora das nossas orações, neste mergulho poético do mistério pascal. Na próxima edição, conheceremos um pouco sobre a vida e os escritos de Irmã Leticia, monja carmelita do Carmelo de Nazaré, de Cariacica – ES. Paz e alegria em Cristo Jesus! Até a próxima edição!

Referências:

BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2006.

DÍDIMO L. (Org.). Documentos da OCDS: Ordem dos Carmelitas Descalços Seculares Província São José. 3 ed. rev. Fortaleza: OCDS, 2016.

IGREJA CATÓLICA. Oração das Horas. [S.I.]: Vozes; Paulinas; Paulus; Ave-Maria, 2004.

Fonte: Revista Virtual Monte Carmelo – Nº 166 – Jan/Fev – 2020