DISCURSO DE NATAL DO PAPA FRANCISCO.

DISCURSO DE NATAL DO PAPA FRANCISCO.

O Papa Francisco, em audiência com membros da Cúria Romana (Cardeais, Bispos e altos funcionários) fez um dos mais duros discursos feitos por um Papa na História da Igreja, ao apontar e criticar várias “doenças” existenciais e comportamentais que acometem a Cúria. 
O seu jeito peculiar de ser, alternando momentos de palavras fortes e exortadoras com palavras amáveis e consoladoras, o Santo Padre “abriu o peito da Igreja” para expor vícios e pecados que, segundo ele, precisam ser extirpados para que a Igreja, a começar pelo próprio Vaticano, seja sinal verdadeiro da presença de Cristo no mundo. 
 
 
 
 
Cidade do
Vaticano (Rádio Vaticana) – “A Cúria é chamada a
melhorar-se sempre e a crescer em comunhão, santidade e sabedoria para realizar
plenamente a sua missão”
: Foi o que disse na manhã desta segunda-feira
(22), o Papa Francisco no discurso à Cúria Romana por ocasião dos tradicionais
votos de Feliz Natal. “Também ela, como
todo corpo, está exposta às doenças, ao mau funcionamento, à enfermidade”.
O Papa quis
então mencionar algumas dessas prováveis doenças: são doenças habituais na
nossa vida de Cúria, disse, acrescentando: “são
doenças e tentações que enfraquecem o nosso serviço ao Senhor. Ajudar-nos-á o
catálogo das doenças – seguindo o caminho dos Padres do deserto, que faziam
esses catálogos – do qual falamos hoje, a nos preparar para o Sacramento da Reconciliação, que será um bonito passo de todos nós para nos prepararmos para
o Natal”
.
Depois de
agradecer a Deus pelo ano que está terminando, pelos eventos vividos e por todo
o bem que Ele quis generosamente realizar através do serviço da Santa Sé, o
Papa Francisco pediu perdão a Deus pelas faltas cometidas “em pensamentos,
palavras, obras e omissões”. O Pontífice fez então um elenco das doenças
iniciando pela doença do sentir-se “imortal”, “imune” ou até mesmo
“indispensável”, descuidando dos necessários e habituais controles.
Uma Cúria que
não faz “autocrítica”, que não se atualiza – disse o Papa – que não procura se
melhorar é um corpo doente. Uma visita aos cemitérios nos poderia ajudar a ver
os nomes de tantas pessoas, que talvez pensassem serem imortais, imunes e
indispensáveis e, na verdade, estão lá, sepultadas! É a doença do rico insensato do Evangelho que pensava viver
eternamente, e também daqueles que se transformam em “padrões” e se sentem “superiores a todos” e não ao serviço de todos. Disso deriva a patologia do
poder, do “complexo dos eleitos”.
Em seguida o
Papa falou de outra doença, a doença do
“martalismo”
(que vem de Marta), da
excessiva laboriosidade
: ou seja daqueles que se afundam no trabalho,
descuidando, inevitavelmente, “a parte melhor”: sentar-se aos pés de Cristo. O
tempo de repouso, para quem terminou a sua missão, – aconselhou o Papa – é
necessário, devido e deve ser vivido seriamente.
Há também a
doença da “petrificação” mental e
espiritual
: ou seja daqueles que possuem um coração de pedra e uma “pescoço
duro”; daqueles que, ao longo da estrada perdem a serenidade interior, a
vivacidade e a audácia e se escondem nos papéis tornando-se “maquinas de
documentos” e não “homens de Deus”. É a doença daqueles que perdem “os
sentimentos de Jesus”, porque os seus corações, com o passar do tempo, se
endurecem se tornam incapazes de amar de modo incondicional o Pai e o próximo.
Tem também a doença do excessivo planejamento e do
funcionalismo
. Quando o apóstolo planeja tudo minunciosamente e acredita
que está fazendo um perfeito planejamento das coisas, de fato progridem,
tornando-se assim um contabilista ou contador. Preparar bem é necessário, mas
sem cair na tentação de querer fechar e pilotar a liberdade do Espírito Santo
que é sempre maior e mais generosa de qualquer planejamento 
humano. Cai-se
nesta doença porque “é sempre mais fácil e cômodo apoiar-se nas próprias
posições estáticas e imutáveis”.
Outra doença –
destacou o Papa Francisco – é a doença
da má coordenação
: quando os membros perdem a comunhão entre eles e o corpo
perde a sua harmoniosa funcionalidade e temperança, tornando-se uma orquestra
que produz rumor (barulho, desarmonia) porque os seus membros não colaboram e não vivem o espírito de
comunhão e de grupo. Quando os pés dizem ao braço “não tenho necessidade de
você”, ou a mão à cabeça “eu comando”, causando assim problemas e escândalo.
Há também a doença do Alzheimer espiritual: ou
seja, esquecer a “história da Salvação”, da história pessoal com o Senhor, do
“primeiro amor”. Trata-se de um declínio progressivo das faculdades espirituais
que em certo intervalo de tempo causa graves deficiências à pessoa tornando-a
incapaz de realizar atividades autônomas, vivendo em um estado de absoluta
dependência de seus horizontes frequentemente imaginários.




A doença da rivalidade e da vanglória: quando a
aparência, as cores das vestes e as insígnias de honra tornam-se o principal
objetivo de vida, esquecendo-se das palavras de São Paulo: “Nada façais por
contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros
superiores a si mesmo”
. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas
cada um também para o que é dos outros. É a doença que nos leva a sermos homens
e mulheres falsos e viver um falso “misticismo” e um falso “quietismo”.
A doença da esquizofrenia existencial: é a doença de
quem vive uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do
progressivo vazio espiritual que láureas ou títulos acadêmicos não podem
preencher. Uma doença, que atinge frequentemente aqueles que, abandonando o
serviço pastoral, limitam-se aos afazeres
burocráticos, perdendo assim o contato com a realidade, com as pessoas
reais. Criam assim um mundo paralelo, onde colocam de lado tudo o que ensinam
de modo severo aos outros e iniciam a viver uma vida oculta e muitas vezes
dissoluta. A conversão é urgente e indispensável para esta doença muito grave.
A doença das fofocas, das conversas fiadas e
mexericos
:
desta doença já falei muitas vezes, mas nunca o suficiente: é uma doença grave
que começa simplesmente, talvez por causa de uma conversa fiada e toma conta da
pessoa tornando-a “semeadora de discórdia” (como Satanás), e em
muitos casos “assassino a sangue frio” da fama dos próprios colegas e
coirmãos. É a doença de pessoas covardes que não tendo a coragem de falar
diretamente falam pelas costas. São Paulo nos adverte: “Fazei todas as
coisas sem murmurações, para serem irrepreensíveis e puros”
. Irmãos, vamos
tomar cuidado do terrorismo das fofocas!

A doença de divinizar os chefes
: é a doença dos
que estão cortejando os superiores, na esperança de obter a sua benevolência.
São vítimas do carreirismo e do oportunismo, honram as pessoas e não Deus (cfr
Mt 23: 8-12.). São pessoas que vivem o serviço pensando apenas no que elas
desejam obter e não o que elas devem dar. Pessoas mesquinhas, infelizes e
inspiradas somente pelo próprio fatal egoísmo. Esta doença também pode afetar
os superiores quando cortejam alguns de seus funcionários para obter a sua
submissão, lealdade e dependência psicológica, mas o resultado final é uma
verdadeira cumplicidade.
A doença da indiferença para com os outros: quando cada um
pensa só em si mesmo e perde a sinceridade e o calor das relações humanas.
Quando o mais experiente não coloca o seu conhecimento ao serviço dos colegas
menos experientes. Quando se toma conhecimento de algo e você mantém só para
si, em vez de compartilhá-lo com outras pessoas de forma positiva. Quando, por
ciúmes ou dolo, sente alegria em ver o outro cair em vez de levantá-lo e
incentivá-lo.
A doença de rosto de funeral: ou seja, das
pessoas rudes e carrancudas, que consideram que para ser sérias é necessário
pintar o rosto de melancolia, de severidade e tratar os outros – especialmente
aquelas consideradas inferiores – com rigidez, dureza e arrogância. Na
realidade, a severidade teatral e o pessimismo estéril são muitas vezes
sintomas de medo e insegurança sobre si mesmo. O apóstolo deve se esforçar para
ser uma pessoa educada, serena, entusiasmada e alegre, que transmite alegria
onde quer que esteja. Um coração cheio de Deus é um coração feliz que irradia
alegria e contagia todos os que estão ao seu redor. Portanto, não vamos perder
esse espírito alegre, cheio de humor, e até mesmo auto-irônico, que nos torna
pessoas amáveis, mesmo em situações difíceis.
A doença do acumular: quando o
apóstolo procura preencher um vazio existencial em seu coração acumulando bens
materiais, não por necessidade, mas apenas para se sentir seguro. Na verdade,
nada de material poderemos levar conosco, porque “a mortalha não tem
bolsos” e todos os nossos tesouros terrenos – mesmo se são presentes –
nunca vão preencher esse vazio. Para essas pessoas, o Senhor repete: “Como
dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és
um infeliz, e miserável, e pobre, e cego, e nu; sê pois zeloso, e
arrepende-te”
. O acúmulo somente pesa e atrasa o caminho inexorável!
A doença dos círculos fechados: onde pertencer
a um pequeno grupo torna-se mais forte do que pertencer ao Corpo e, em algumas
situações, ao próprio Cristo. Também esta doença começa sempre com boas
intenções, mas com o passar do tempo escraviza os membros tornando-se “um
câncer” que ameaça a harmonia do Corpo e causa tanto mal – escândalos –
especialmente aos nossos irmãos menores. A auto-destruição ou “fogo
amigo” de soldados companheiros é o perigo mais insidioso. É o mal que
atinge a partir de dentro e, como disse Cristo: “Todo o reino, dividido contra
si mesmo, será assolado”
.

E a última: a doença do lucro mundano, dos
exibicionismos
: quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder, e o
seu poder em uma mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poderes. É a
doença das pessoas que procuram insaciavelmente multiplicar poderes e para este
fim são capazes de caluniar, de difamar e desacreditar os outros, até mesmo nos
jornais e revistas. Naturalmente, para se exibir e se demonstrar mais capaz do
que os outros. Também esta doença faz muito mal ao Corpo, porque leva as
pessoas a justificarem o uso de todos os meios para alcançar tal objetivo,
muitas vezes em nome da justiça e da transparência!
Irmãos, –
concluiu o Papa – tais doenças e tais tentações são, naturalmente, um perigo
para cada cristão e para cada cúria, comunidade, congregação, paróquia,
movimento eclesial, etc.. e podem afetar seja o indivíduo seja a comunidade.
É preciso
esclarecer que somente o Espírito Santo – a Alma do Corpo Místico de Cristo,
como afirma o Credo Niceno Constantinopolitano: “Creio … no Espírito
Santo, Senhor que dá a vida” – pode curar todas as doenças. É o Espírito
Santo que sustenta todos os esforços sinceros de purificação e toda boa vontade
de conversão. É Ele que nos fazer entender que cada membro participa da
santificação do corpo e do seu enfraquecimento. Ele é o promotor da harmonia.
A cura é também
o resultado da consciência da doença e da decisão pessoal e comunitária de
curar-se, sobretudo com paciência e perseverança. (SP)

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