
Diário de um Carmelita Secular em Ávila
Artur Viana, OCDS (Fortaleza-CE)
“Os carmelitas seculares, junto com os frades e as monjas, são filhos e filhas da Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo e de Santa Teresa de Jesus. Portanto, compartilham com os religiosos o mesmo carisma, vivendo-o cada um segundo seu estado de vida. É uma só família, com os mesmos bens espirituais, a mesma vocação à santidade e a mesma missão apostólica. Os seculares trazem à Ordem a riqueza própria da sua secularidade” (Constituições OCDS 1).
Esse pequeno, e já primeiro, parágrafo das nossas Constituições nos define objetivamente, e, em meio a tantas outras definições possíveis, essa foi a mais acertada. Acertada, porém, infelizmente, não assimilada por muitos dos que por ela são definidos.
Encontramos beleza nessas palavras, encontramos uma verdade, por isso automaticamente concordamos com elas, porém, tão logo fechamos nosso livro de documentos, desconsideramos a ressonância que essa definição deveria provocar em nossa visão de leigo sujeito eclesial e membro integrante do carisma carmelitano. Qual é nossa “função” na Igreja? Sermos igreja. Qual é nossa “função” no Carmelo? Sermos carmelitas. Isso basta, essa resposta já é suficiente e já está completa. O modo de ser igreja na Igreja e de ser carmelita no Carmelo em nada altera aquilo que somos essencialmente; dizendo em outras palavras, não somos menos igreja porque não somos clérigos, nem menos carmelitas (ou carmelitas de “terceira ordem”) porque não somos religiosos. Trazemos à Igreja e à Ordem a riqueza da nossa secularidade, e as integramos com a mesma dignidade e lucrando os mesmos bem daqueles que nelas estão e que não são seculares. Que beleza! Que riqueza! É isso que São Paulo quer dizer ao apresentar a imagem da Igreja Corpo Místico de Cristo, na qual todos os membros têm sua importância e são essenciais justamente pela diversidade de suas funções.
Mas por que escrevo isso? Em primeiro lugar porque nunca é demasiado repeti-lo e fazer essas sempre necessárias considerações. Em segundo lugar porque sou um dos poucos leigos que estamos em Ávila cursando um Master em Mística e Ciências Humanas, no Centro Internacional Teresiano-Sanjuanista (CITeS), e embora não seja o único leigo, nem mesmo o único brasileiro, há algo que me confere uma unicidade: sou o único aluno carmelita secular e estou aqui pela OCDS do Brasil.
A trajetória para chegar até aqui muitos a conhecem, e digo, sem acanhamento, que os que me ajudaram na realização deste sonho, em muitos momentos, tiveram mais fé do que eu. Obviamente, se eu estivesse sozinho, esse desejo seria um projeto irrealizável. E quando digo que fui ajudado, não me refiro apenas aos irmãos da Ordem Secular de toda a província, aos amigos próximos e não próximos, mas, sobretudo, à comunidade do CITeS, em sua administração, que me favoreceu e segue me ajudando aqui em muitos aspectos.
Estar em Ávila diz muito para quem encontrou sua vocação no Carmelo Teresiano, e estar no CITeS, enquanto carmelita secular, diz mais ainda. Evidentemente, a participação dos cursos e eventos desse Centro Teresiano-Sanjuanista nunca foi algo privado e exclusivo para clérigos, religiosos ou carmelitas, mas tampouco é de se ignorar o fato – aparentemente irrelevante – de haver um carmelita secular entre os que aqui estudarão por três trimestres.
Os estudos compreendem três grandes blocos: um trimestre de introdução ao estudo da mística e o diálogo desta com outras disciplinas e expressões; um trimestre sobre santa Teresa de Jesus, no qual se aprofunda e se estuda sua doutrina a partir da leitura de suas obras; e um trimestre sobre são João da Cruz, com a mesma metodologia do trimestre teresiano. A jornada de estudo é matutina; as tardes temos reservadas para o estudo pessoal e pesquisa. Aqui vivemos como comunidade, temos momentos comuns de oração e de convivência e são essas as oportunidades para um intercâmbio cultural e espiritual, de mútuo conhecimento e mútua ajuda. Dessa forma, cada um, em seu estado de vida, e em sua vocação (pois não há apenas carmelitas), enriquece o outro.
Em dois meses de Ávila, já tenho muitas boas impressões e recordações. A Universidade da Mística se distingue de tantas outras não apenas por ser um lugar especializado nos estudos de nossos santos pais, mas por ser, também, uma verdadeira comunidade teresiana, na qual a oração, o estudo e a fraternidade são promovidos e mantidos pelos que a compõem, ou seja, um ambiente propício para essas três dimensões.
Queira o bom Deus que eu saiba corresponder a essa graça tão grande com que Ele me favoreceu e possa, mais tarde, ajudar e contribuir com meus irmãos da Ordem Secular com a formação e com a vivência carismática da nossa vocação. Amém.