
CONGRESSO PROVINCIAL OCDS -2010
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Palestra ministrada pelo Dr.Mário e sua esposa Beatriz, na ocasião do nosso amado congresso da OCDS que aconteceu nos dia 08-11/10 em São Roque, sobre o tema Caridade Fraterna, Desapego e Humildade segundo o Livro caminho de perfeição de Santa Teresa.
CARIDADE FRATERNA – HUMILDADE – DESAPEGO
AS VIRTUDES FUNDAMENTAIS CARMELITANAS
No livro o CAMINHO DE PERFEIÇÃO Santa Teresa aconselhando suas Irmãs na busca da santidade como os Santos Padres o fizeram para alcançarem interior e exteriormente a paz tão recomendada pelo Senhor, diz-lhes:
“O primeiro é o amor de umas para com as outras; o segundo, o desapego de todo o criado; o terceiro, a verdadeira humildade, e este, embora seja enumerado por último, é o principal e abrange a todos.” CP 4,4
O desapego e a humildade são como duas irmãs, andam sempre juntas.
COMO SANTA TERESA FOI SANTA, NÓS TAMBÉM PODEMOS SER.
Um verso de uma poetisa paranaense: Helena Kolody diz assim:
É sempre aurora, para quem caminha em direção ao sol.
Nossa paráfrase, é a seguinte:
Para quem caminha em direção a Deus, é sempre início de jornada.
Com tal expressão, estamos dando sentido à parábola dos vinhateiros contratados à primeira, à terceira, à sesta, à nona e até na úndécima hora.
Sempre é tempo de começar, a buscar santidade.
E voltando ao início anunciado, para Santa Teresa a prática das virtudes evangélicas da caridade fraterna, do desapego e da humildade, é o essencial da vida cristã, e essa tríade foi a inspiração para o modelo teresiano e carmelita de buscar a santidade.
De fato, a caridade segundo as tábuas da lei, e das palavras de Cristo é primeira e mais importante obrigação tanto para os judeus, como para os cristãos:
“Mestre, qual é o maior mandamento da lei ? Respondeu-lhe Jesus Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração , de toda tua alma e de todo o teu espírito. Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo é semelhante a este, é Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Mt 22, 36-39
Santa Teresa levou este trecho do Evangelho ao pé da letra, sem, porém, esquecer de indicar que o amor a si mesmo é o parâmetro que temos para nossa dedicação aos outros.
Ao lembrar Jesus que os mandamentos do Amor a Deus e amor ao próximo, ele acrescentou que nisso se resume a lei e tudo o que disseram os profetas.
Entretanto, a obrigação provinda da chamada “aliança bíblica”, em Santa Teresa, no modelo proposto no Caminho da Perfeição, e no relato sobre sua vida, o conceito e a prática ganharam a conotação de Amor/Amizade tanto a Deus como ao próximo.
Nossa Santa Madre coloca Deus como Autor, como Criador e responsável de tudo o que existe, de tudo o que acontece ao nosso redor, inclusive o fato de o reconhecermos assim. Tudo é graça de Deus. Tudo é mercê e graça de Deus.
Em sua lógica Teresa, de imediato, viu duas características nessa relação de Amor/Amizade que Deus nos devota, e que nós devemos devotar a Ele. E pôs em evidência: a gratuidade e a reciprocidade.
Retribuir ao mesmo preço é uma característica psicológica de nosso senso natural de justiça. E em nosso comportamento, quer instintivo, quer raciocinado, é assim que se processa, ou deveria se processar, o amor como a dedicação ao outro.
Em realidade, porém, isso não acontece, porque somos imperfeitos, ou porque fazemos oscilar a intensidade do amor humano. Talvez seja, a tendência exclusivista e ciumenta que nasce do senso de tirar vantagem, não dispensar e segurar consigo, mais do que se recebeu. E essa oscilação do amor vai do enlevo ao desprezo, vai da mera discussão às grandes rixas e até morticínios por causa das distorções motivadas originariamente no amor.
Na vida de Santa Teresa, ela revela uma intensidade e uma facilidade para dedicar amor a todos que a aceitassem e lhe dedicassem afeição, reconhecimento ou lhe manifestassem querer bem. E em troca devotava toda a sua psiquê a essa reciprocidade amorosa. Ela era uma pessoa simpática e enlevava a quantos se relacionavam com ela. Ela possuía o que os psicólogos chamam hoje de permeabilidade afetiva.
Essa característica humana de Santa Teresa ela a transportou para o relacionamento de Amor/Amizade a Deus, e Deus na forma humana de JESUS. Jesus passou a ser o centralizador do amor e da prática da caridade.
Jesus passou a ser o seu Deus, o seu Amigo e nisso consistiu toda a busca de perfeição. Essa descoberta de Jesus fez nascer em nossa Santa Madre o sentido da busca de sua identidade com Jesus. Jesus estava plenamente com sua identidade divina e com sua identidade humana. Foi nesse binário místico que trilhou a vida em todos os momentos de alegria, de tristeza, de humildade e de desapego.
O amor/amizade que passou a dedicar nessa sua relação com Deus/Homem , foi tão significativa na vida de Santa Teresa, que deixou um marco na história de sua vida: “desde esse dia fiquei tão animada para desejá-lo inteiro, por Deus, como quem haveria de desejá-lo naquele momento: …e deixar-me ser sua escrava”.
Nessa perspectiva, o Senhor Deus de Teresa, não era mais aquele Deus provedor, Deus temido, Deus justiceiro, mas apenas, um Deus Amigo, cheio de compaixão com as falhas, pecados, e deficiências, porque na humanidade de CRISTO, ela viu acontecer o sofrimento, a dor, a necessidade material e a necessidade de afeto. Assim, disse, eu pude trazê-lo para dentro de mim, eu queria ser sua e ele queria ser meu.
Originou-se naturalmente a manifestação desse carinho mútuo de Teresa e Jesus com o que identificamos como Oração/Amizade. Eu lhe disse que era Teresa de Jesus e ele me disse que era Jesus de Teresa. E assim a intimidade divina passou a ser uma constante tanto na prática de oração como nos ensinamentos de oração em todos os seus escritos.
A oração/amizade praticada sob esse molde de experiência divina e humana deve ser despida de ritos, de devoções vagas, de repetições inúteis que não dizem nada ao intelecto. Devoções bobas, no dizer de Santa Teresa.
Na oração/amizade se erige um diálogo franco entre o orante e Jesus, o Deus/homem. E em nós, diante das falhas, defeitos e pecados nasce um Eu-de –verdade, que é aquele eu que não apresento ao meu próximo, nem à comunidade, mas que eu vivencio em consciência e apresento a Deus a quem não posso mentir, não posso fingir, ou esconder. É esse eu que vai dialogar intimamente com meu Deus.
O eu que eu apresento à sociedade, à comunidade, ao próximo, é um Eu-falso. Mas, na prática da oração intima, eu reconheço a minha realidade falseada, a escravidão cultivada de vícios, de interesses que constroem em mim uma personalidade fictícia. E o resultado de minha oração deve ser a volta à prática do bem. Deve ser a volta do Homem Novo, ou do novo-Eu.
A sublimação da caridade para o Amor/Amizade gerará em mim uma atitude vitalícia de luta entre o “Eu-falso, escravo dos sentidos, e vazio” que resulta de interesses de honra, de dinheiro, e de virtudes fictícias, e o Eu-verdade que tem consciência de que nada existe quando não se contenta a Deus. Essa é a grande e única construção de santidade, uma personalidade cristã que optou por igualar-se e reconstruir a imagem e semelhança de Deus dos primórdios bíblicos.
Chamando e mantendo relação de amizade com JESUS, eu acentuo os aspectos humanos. Ganho e realizo a reciprocidade. E o amor será verdade porque não posso mentir para Deus. Dialogo com Ele construindo a oração/Amizade que vai me orientar necessariamente a dedicá-lo ao próximo que eu vejo, sinto e me relaciono como realidade do que São João nos diz:
“ Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos. Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seus Senhor. Mas chamei-vos amigo, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai”. Jo 15, 12-15
Assim construo no exercício da caridade, a inter-relação Eu/Deus, Eu/próximo, eu/comunidade. E minha vivência na busca de Deus, será compartilhada.
O pecado e os vícios decompõem a personalidade e me esvaziam. Mas esse vazio cria em mim a ansiedade de preenchê-lo. Assim como a pessoa com fome em sua ansiedade quer alimentar-se. É nessa hora que ocorre o engano; enquanto uns querem preencher o vazio de suas vidas com o burburinho, com o gozo de bens e prazeres, com drogas e alucinógenos ou bebidas estonteantes, o carmelita buscará seu Deus/amigo através da oração/amizade. E eu ao encontrar essa amizade passo a sentir que a sua grandeza e majestade preenchem não só os vazios, mas também todos os horizontes do meu corpo e da minha alma, de tempo (passado, presente e futuro) e de espaço (aqui e em qualquer lugar), preenche também o meu mundo imaginário, e até mesmo meu universo de conhecimentos.
Assim a minha religião (relação eu e Deus) não é e nem será passiva, não será falsa, e minha dedicação ao amor de meus irmãos se potencializará ao assumir com humildade o serviço em prol da comunidade. Porque se eu não extravasar minha atitude de amor ao meu próximo que vejo, sei tido como um sonso que dedica afeição a quem nem vê e nem conhece.
E por essa mecânica do amor a Deus e ao próximo como um amor osmose que explica a santidade em série numa seqüência admirável das Teresas de Ávila, de Lisieux, e de Calcutá. E tantos outros Santos canonizados recentemente como São Pio de Pietralcina, e Frei Galvão, e outros que aguardam a canonização como nosso Papa João Paulo II, e a Irmã Dulce.
Amizade e a dedicação aos Irmãos, e principalmente aos mais necessitados, será tão terna e divina como aquela que lhe devotaram esses heróis Amigos de Jesus, e como aquela que eu que pretendo construir na minha oração, no meu diálogo íntimo com o meu Amigo Jesus.
Jesus terá os traços e a face do meu próximo, e o meu próximo terá os traços e a face de Jesus. E gerará aquele anseio carmelita de uma canção ritornelo
Jesus, Jesus de Nazaré
O teu semblante eu quero ter.
Jesus, Jesus de Nazaré
Assim como tu és eu quero ser.
Foi isso que Jesus fez a Santa Teresa quando disse que “Eu serei o teu livro” quando da provação a que foi submetida quando a Inquisição chegou aos seus escritos.
Mas o arroubo ascético de Santa Teresa não se perdeu na desconsideração da fraqueza humana. Porque todos andamos na mentira e criamos um falso em nós. Somos fracos, falseamos a verdade com as aparências, enrolamos, negaceamos, usamos a falsa humildade quando maximizamos o bem praticado outrora, e minimizamos as transgressões presentes. Entregamo-nos a devoções bobas de aparência.
Se diante da nossa realidade pessoal, do nosso eu-verdadeiro, nos entregarmos inteiramente ao dono de toda a graça que recebemos, ao Deus Protagonista de tudo o que aconteceu e pode acontecer de bom em nossa vida, chamaremos a Jesus de Amigo, sem falsa humildade, e acontecerá uma simbiose de amizade entre eu e Jesus-homem que se revelará pela dedicação que eu fizer aos meus irmãos conforme o conceito da caridade que o Apóstolo São Paulo nos propôs:
“Ainda que eu falasse a línguas dos homens e dos anjos, se não tiver a caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver a caridade, não sou nada. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, ainda que me entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria.!
A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” Cor 13, 1-7
O destaque negativo da citação qualificadora da caridade, que mereceu consideração especial de Santa Teresa foi a expressão: A caridade … “não é orgulhosa… não é arrogante e não busca os seus próprios interesses.”. A Santa Madre tomou o reverso dessa expressão e imaginou a caridade falsa quanto não há humildade, quando há melindre por qualquer coisa, quando a pessoa por ser amada por todas se julga acima das demais, e principalmente quando o amor a ser dedicado às demais irmãs de uma comunidade, cultiva interesses pessoais seus ou de algumas outras, formando grupinhos, igrejinhas, dessas que surgem de fofocas, de comentários malsãos, e fomentam divisões.
Sem as virtudes de desapego e de humildade, irmãs gêmeas, sustentáculo da caridade fraterna, não se realiza nem Amor/Amizade, nem oração/amizade porque não existe correlação entre Eu e Deus, e nem entre Eu e o Próximo. Simplesmente não existe o amor porque ele não está destinado para a santidade.
O amor ganha a dimensão divina quando se orienta para o que é eterno, o que não perece, o que é verdadeiro. Por isso é amor quando se chama atenção para correção de desvios de conduta, castigos de amor ante perigos iminentes.
Mas não é amor o condoer-se sem razões fundadas, por decisões da autoridade que julgamos duras contra esta ou aquela pessoa da comunidade, pois, tal atitude é um julgamento da autoridade constituída. Isso cria partido no grupo e um mal-estar de constrangimento gerador do desprezo de uns aos outros membros da comunidade. A ruptura do vínculo de coesão do grupo está prestes a acontecer. É coisa do demônio nas comunidades religiosas. E a Santa Madre manda literalmente, atalhar, cortar esta peste, para que a paz e a prosperidade do grupo não se desfaça.
DESAPEGO.
Passamos agora, em continuidade, a considerar os empecilhos que temos a remover de nossas tendências, para cumprir o mandamento do Amar a Deus sobre todas as coisas.
O primeiro empecilho é o apego às coisas porque quanto mais você se desapega das coisas, mais você se apega a Deus. Por isso, para Santa Teresa o desapego é um estado de espírito de despojar-se de tudo que não seja pré-destinado à prática das virtudes, e da oração.
Temos que considerar que tudo o que está ao nosso redor tem em si uma natureza própria destinada ao uso em nosso proveito, ou em proveito dos outros, por isso dizemos que algumas coisas têm uma funcionalidade em relação ao homem e à sua subsistência. Mas nós os homens exageramos no cuidado e nos assenhoreamos além do necessário, além do suficiente. E quando essas mesmas coisas são do interesse de outros inicia-se a disputa, a rivalidade, o ódio, as guerras e os extermínios.
Se partirmos do pressuposto de que tudo é dádiva de Deus, e todos são filhos desse mesmo Deus, é fácil deduzir que todas as coisas pertencem a todos, de acordo com as suas necessidades.
Como seres limitados, não dominamos nem o tempo e nem o espaço. Quanto ao tempo somos senhores apenas do momento presente. Nem o passado não nos pertence mais, e o futuro será nosso pelo tempo que vivermos. Portanto, o presente é a vida que eu estou vivendo aqui e agora, e esta vida, neste momento é a o maior dom que Deus nos dá. E junto com ela o Criador nos dá o instinto de sobrevivência, me concede o presente para praticar o bem, e o futuro terá significado somente como um projeto para ser utilizado para fazer o bem, buscar a perfeição.
Para viver o presente, o que eu necessito ? De fato, é tão pouco o que verdadeiramente necessitamos, que o nosso amigo JESUS nos diz:
“Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e as traças corroem, onde os ladrões furtam e roubam. Ajuntai para vós tesouros no céu, onde não os consomem nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração.” Mt 6, 19-21
Desapegar-se para Santa Teresa é estar em estado de espírito de despojar-se do que não serve para a conservação da vida e das virtudes, e da oração. É cultivar a indiferença em relação a tudo que não seja condicionante ou predisposição para as virtudes.
Ao utilizar as coisas que se nos apresentam para o uso e para o consumo, como coisas emprestadas de um todo que pertence a todos.
Mas nosso instinto de guardar para amanhã, somando ainda a mania de ajuntar, de recolher, cria em nós um estado de apego, que nos leva a esconder as coisas para que os outros nem saibam que guardamos. Esse apego, e essa ânsia de guardar cria em nós um estado psicológico de escravidão, de avareza, e de servilismo em relação às coisas. Imaginem, pela experiência de vocês, como cada coisa, por mais pequenina que seja, que se adquire, para guardar, gera em nós uma obrigação de custódia e de cuidado, que se somam às outras coisas, que geram outras obrigações e todas elas, nos tornam escravos servis delas.
O apego às coisas, ao dinheiro é fonte de muitos outros vícios, o primeiro deles é a avareza, depois, a usura, a inveja e a preguiça. Foi por isso que Jesus disse que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no céu.
Mas qual a diferença entre despego e pobreza ? – A diferença reside no fato de que a pobreza tem origem externa e resulta de várias causas entre as quais a injustiça social, dispêndios exorbitantes na manutenção da saúde, o desperdício, o desgoverno, o descontrole financeiro, na má remuneração do trabalho. A pobreza, assim, não é virtude evangélica e ainda é fonte de cobiça e inveja sobre os bens alheios, e de iniciativas de furtos e roubos pelo qual eu passo a usufruir do fruto do trabalho dos outros. Desapego, porém, tem origem em nosso interior, em nossa alma. Por isso é um estado de espírito de indiferença em relação ao valor que as coisas possuem, e o interesse virtuoso é valorizar as coisas como necessárias e suficientes para o uso, para a sobrevivência, ou ainda para construir o bem em mim ou nos outros.
Por esse caráter de destinação definida, o desapego em relação às coisas é uma condição para a vivência melhor da fraternidade, porque todos podem compartilhar das benesses de uso dos bens e dos respectivos valores.
Pelo desapego é que eu assumo a atitude de despreocupação pelo valor/riqueza, pela titularidade de apropriação, e passo a valorizar mais o uso das coisas para a minha subsistência e a melhoria pessoal.
Santa Teresa, que fundou tantas comunidades lutando de todas as formas para arranjar abrigo e garantia de alimentação para as suas Irmãs, confiava tanto em seu Amigo Jesus que fez prática do conselho evangélico:
“Não vos preocupeis com o dia de amanhã. “ “Olhai as aves do céu que não semeiam e nem ceifam, nem recolhem em celeiros e Vosso Pai Celeste as alimenta”. “E porque nos inquietais com as vestes ? – Considerai como crescem os lírios dos campos; não trabalham e não fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles.” (Mt 6, 28-29).
Santa Teresa em tempo teve sempre a oposição da hierarquia eclesiástica quando não havia perspectiva visível de auto-sustentação dos Carmelos, ou sustentação pela prática da caridade pelas comunidades paroquiais e diocesanas. Além disso, havia a concorrência com outras fraternidades de outras Ordens Mendicantes ou não.
Foi o apego às coisas, e os excessos de mordomias que a vida social da época trouxe para dentro do claustro no Mosteiro da Encarnação onde Santa Teresa aportou para experimentar a vida monástica que lhe serviu de motivação reformar o Carmelo para vivenciar a virtude evangélica do despreendimento e desapego.
A Ordem de São Bento tem como lema: ORA ET LABORA. Isso significa: Ore e faça alguma coisa produtiva em prol da comunidade. Significa também que o desapego em relação aos bens não deve ser passivo, mas construtivo do bem estar coletivo. O desapego aos bens do mundo não significa isenção ou desculpa para ócio. Nesse particular vale lembrar a passagem da Epístola de São Paulo aos Tessalonicenses:
“Com trabalho e fadiga labutamos noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós… E quando estávamos convosco nós vos dizíamos formalmente: Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer. Entretanto, soubemos que entre vós há alguns desordeiros, vadios, que só se preocupam em intrometer-se em assuntos alheios. A esses indivíduos ordenamos e exortamos a que se dediquem tranqüilamente ao trabalho para merecerem ganhar o que comer. (2ª Tes 3, 8-12)
O desapego, como virtude cristã, inclui, também o desapego a pessoas, o que no primeiro momento parece ser uma contradição com a obrigação de devotar amor ao próximo sem acepção, sem distinção entre as pessoas componentes de um mesmo grupo.
O que Santa Teresa enfatiza é que o amor devotado ao que convivem em comunidades destinadas à busca da santidade, tem seus limites por essa destinação, o amor não será afetado ao ponto de valorizar-se nas pessoas apenas os valores humanos de beleza, de simpatia, de inteligência ou até mesmo de liderança, mas o amor ao próximo deve ser dedicado ao próximo, ou para tornar a ele uma pessoa de mais e virtude e santidade, ou para nos santificar ou nos tornar mais virtuosos.
O afeto humano entre pessoas pode se manifestar na forma que a psicologia moderna denomina como homo-afetividade, uma tendência de afeição a uma pessoa do mesmo sexo, sem conotação de natureza sexual. Tal experiência afetiva encontra exemplo no Evangelho que nos relata o amor, ao ponto de choro, que Jesus dedicava ao amigo Lázaro, que veio a ressuscitar no célebre milagre.
Outra passagem do Evangelho é a contida no relato em que São João confessa ser o discípulo que era o predileto de Jesus e que estava reclinado ao peito de Jesus para dele obter a confidência sobre quem seria o traidor. (Jo. 13,23-26). É fácil concluir que a tendência amorosa humana inclui a homo-afetividade como saudável.
Mas a homo-afetividade não pode descambar para a homo-sexualidade como certas tolerâncias modernosas existentes em nossa sociedade querem impor padrão ético antinatural. O desapego a pessoas não é falta de caridade ou de amor. Mas apenas uma correção de uma tendência humana quando esta passa a ser prejudicial ao objetivo da santidade, ou do ser-melhor.
HUMILDADE
Quando Santa Teresa passou a enumerar as virtudes mais caras ao ideal carmelitano, ela disse textualmente no Capítulo 4 do Livro O Caminho da Perfeição:
”A primeira é o amor de umas pelas outras; a outra o desapego de todas as coisas criadas; e a outra, a verdadeira humildade, que, embora a enumere por último, é a principal e abrange todas”. (225)
A vivência do ideal evangélico é uma atitude permanente de reconhecimento do Eu/verdade que comparece perante Deus/Amigo e com a Oração/Amizade. A oração é pois, antes de tudo um ato de humildade. Um ato de gratidão a Deus que nos criou, e nos dotou gratuitamente do dons da vida e das perfeições identificáveis em cada ser humano e principalmente em nós mesmos.
O amor apaixonado de Santa Teresa ao seu Amigo/Jesus se funda na consideração de que Jesus é a expressão humana do amor de Deus para com a humanidade, e para tanto erigiu em maravilhosa arquitetura a salvação conforme os textos da Escritura, para nos entregar JESUS em tudo semelhante a nós, exceto no pecado, através do mistério da Encarnação, E Jesus:
Fez-se homem Obediente até a morte e morte de cruz.
O enlevo de Santa Teresa por seu Amigo Jesus proveio da consideração da aceitação humilde da condição humana na Encarnação. E foi justamente no MOSTEIRO DA ENCARNAÇÃO que nossa Santa Madre fez a opção mística, e como Nossa Senhora se colocou inteiramente à disposição de Deus:
“Eis aqui a serva do Senhor.. “.
E imitando a mesma Mãe de Jesus, com sua grandiosa obra de reunir outras almas sedentas de Deus, assim como foi a reunião com sua prima Santa Isabel, pode cantar também o mesmo hino do MAGNIFICAT:
“E Deus fez em mim maravilhas, porque olhou para a humildade de sua serva..”
Por tudo isso, a humildade se constituiu a mais sublime e a primeira das virtudes evangélicas para a Santa Madre.
Mas, o que é ser humilde? – É ser infenso ao orgulho, à ostentação, às honrarias com profundo respeito a quem nos colocamos como superior. Por isso há uma correlação entre humildade e verdade, humildade e caridade fraterna, entre humildade e desapego.
Na vida consagrada, a humildade é o compromisso da obediência de respeito à hierarquia e da organização em benefício da comunidade. É pois, a expressão de acatamento prévio de nossas obrigações em relação à comunidade. É uma disposição prévia para o servir aos irmãos.
Quando os Apóstolos começaram a perceber o significado do grupo na atividade apostólica de Jesus, começaram também a preocupar-se com quem haveria de substituir o Mestre no comando. E Jesus percebendo a preocupação dirimiu a questão assim:
“Neste momento os discípulos aproximaram-se de Jesus e pergutaram-lhe: “Quem é o maior no Reino dos Céus ? – Jesus chamou uma criancinha, colocou-a no meio deles e disse: “Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus. Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos céus”. Mt 18, 1-4
A humildade como proposição para a serventia e para a dedicação aos outros, identifica-se com a caridade quer como expressão de Amor a Deus (Reino dos Céus) quer como Amor fraterno. Segundo a ordem do Amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
Mas a humildade não é uma virtude apenas de característica religiosa ou mística, é também uma virtude de caráter social e ainda cultural. Primeiro, porque ninguém gosta, e nem ouve o orgulhoso e o arrogante. (Temos exemplos práticos nos discursos políticos).
Na história da filosofia, e na história da ciência, temos exemplos magníficos da eficiência da humildade na proposição e na forma de expor o pensamento, as idéias, e as teorias.
O drama de Sócrates que preferiu a morte a ver vilipendiado o ensinamento pela sociedade ateniense. Na era cristã, Santo Agostinho, antes de sua conversão não era menos douto do que depois. Mas seu pensamento somente teve valia quando apresentado humildemente em suas “CONFISSÕES”. E recentemente podemos citar EINSTEIN que no auge da badalação depois de expor a sua TEORIA DA RELATIVIDADE, reconheceu a possibilidade de estar errado, mesmo tendo comprovado parte dela. E disse: “Por traz da matéria há algo inexplicável”.
Nosso filósofo e jurista MIGUEL REALE, diz a respeito da humildade: “A humildade pode ser uma tendência natural como um estado de espírito adquirido ao fim de uma grande experiência, como bom senso do valor relativo de nossas conquistas.” E numa outra passagem diz “ dentre as virtudes que ornam a conduta humana é uma das mais ricas em significado.”
E a própria Santa Teresa nos diz: “ A ciência é um tesouro para alcançar a perfeição, quer na vida, quer na oração, desde que acompanhada por humildade.”
Voltando, porém ao caráter místico e religioso da humildade, ela é a virtude que nos coloca diante de Deus como o barro nas mãos de um oleiro, ou ainda, como o barro dos primórdios da criação, segundo o relato bíblico.
Nessa perspectiva, colocamos tudo o que somos, tudo o que temos, e tudo o que poderemos ser, como dádiva, como obra de Deus. É o que os estudiosos de Santa Teresa dizem dela ao reconhecer o protagonismo de Deus em nossas vidas, segundo os dizeres do Evangelho;
“Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois. ” Lc 12, 7
A lição de Jesus no cerimonial do LAVA PÉS de seus Apóstolos e a exortação que a seguiu, foi absorvida e praticada por Santa Teresa para mostrar que a caridade é uma atitude de servir:
“Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós.” (Jo 13, 14-15)
Humildade é o reconhecimento de nossa incapacidade e de nossa limitação, mas não nos isenta do trabalho e da construção da fraternidade. Para nossa Santa Madre a prática reveladora da humildade é o hábito de não se desculpar. Não se desculpar é imitar a Cristo que aceitou acusações e ofensas que não merecia.
“A meu ver não há, e nem pode haver humildade sem amor e nem amor sem humildade. E nem é possível existirem essas duas virtudes sem o desapego de todas as coisas criadas.”
CONCLUSÃO:
Pelos ensinamentos de Santa Teresa em sua doutrina mística e cristã a busca da perfeição está incrustada em nossa alma. E a nossa inquietude humana, é aquela mesma que expressou Santo Agostinho em seus escritos: A minha alma está inquieta até repousar em ti meu Deus.
A receita e a bula carmelita é a prática dessas três virtudes. Mas, para nós os leigos é possível praticar essas características divinas do Deus-Homem, que nos amou até dar a sua vida pelos seus Amigos, que não tinha onde repousar sua cabeça, e fez-se obediente até a morte de cruz.
A proposta de Jesus é eterna. É pois, válida para todos os tempos. Logo é possível, sim, praticarmos essas três virtudes em nossos tempos, em nossa modernidade. Pois, não há mistério ou desconhecimento principalmente quando participamos da vida divina em amizade íntima, descoberta na eloqüência do silêncio da oração/amizade, e no diálogo arrebatador da simplicidade eucarística.
Mas seremos semelhantes a Cristo, se compreendermos e praticarmos o que a Epístola de São Paulo nos disse da caridade, e espraiarmos a gratuidade da graça do amor ao próximo, em nossa família, entre os vizinhos, na comunidade. Com esse comportamento, nós faremos a diferença, e os outros notarão em nós o carisma carmelitano.