Comentário ao Evangelho do dia feito por Bem-aventurada Isabel da Trindade (1880-1906), carmelita Último retiro, 10º – 11º dias (OC, Cerf 1991, pp.
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«Maria, sentada aos pés do Senhor, escutava a Sua palavra»

Para que nada me tire do belo silêncio interior, [manterei] sempre a mesma
condição, o mesmo isolamento, o mesmo distanciamento, o mesmo despojamento.
Se os meus desejos, os meus medos, as minhas alegrias ou as minhas dores
[…] não estiverem perfeitamente ordenados para Deus, não estarei sozinha
e haverá ruído em mim; por isso, é preciso serenidade, «repouso das
potências», concentração do ser. «Filha, escuta, vê e presta atenção;
esquece o teu povo e a casa do teu pai. Porque o rei deixou-se prender pela
tua beleza» [Sl 45 (44), 11-12]. […] Esquecer o próprio povo parece-me
difícil; porque aqui «povo» é todo este mundo, que faz, por assim dizer,
parte de nós mesmos: é a sensibilidade, são as memórias, as impressões,
etc. […] Quando a alma faz essa ruptura, quando se liberta de tudo isso,
o Rei fica prisioneiro da sua beleza. […]
Vendo o belo silêncio que reina na Sua criatura e considerando que está
absolutamente recolhida […], o Criador fá-la passar por esta solidão
imensa, infinita, [retira-a] para esse «lugar seguro» cantado pelo profeta
[Sl 18 (17), 20] e que outra coisa não é se não Ele próprio. […] «Ao
deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração» (Os 2, 16). Ei-la, a alma
entrada nessa vasta solidão em que Deus Se fará ouvir! São Paulo diz: «A
palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes;
penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas»
(Heb 4, 12). Portanto, será ela quem directamente completará o trabalho do
despojamento na alma. […]
Mas não é suficiente ouvir a palavra, é necessário guardá-la! (Jo 14, 23) E
é guardando-a que a alma será «consagrada na verdade» (Jo 17, 17); é esse o
desejo do Mestre […]: não prometeu Ele àquele que guarda a Sua palavra
que: «meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada»? (Jo 14,
23) É toda a Trindade que habita na alma que a ama verdadeiramente, ou
seja, que guarda a Sua palavra.