O sagrado coração de Jesus na espiritualidade carmelitana

O sagrado coração de Jesus na espiritualidade carmelitana

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus remonta a um caminho histórico espiritual já presente nas Sagradas Escrituras. Para o judeu, a palavra “coração” tem um significado bem diferente do que têm os ocidentais, e diria bem mais diferente ainda da concepção que o brasileiro geralmente atribui, já que este é culturalmente tido por “meloso”, “sentimental” e “hipersensível/melindroso”, do tipo que faz coraçõezinhos com  a mão.

Não é desse tipo de coração que iremos tratar. O semita entende o coração como o núcleo central da pessoa humana, por isso que o próprio Jesus diz em Mt. 22,37, retomando o mandato do Deuteronômio: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.”  A palavra hebraica para coração é lev (לב). Por todas as Sagradas Escrituras, veremos referência a vários tipos de pessoa, ou podemos dizer a tipos de coração: yashar-lev, “coração reto” (Sl 51, 10), kashe-lev, “coração duro” (Ez 3, 7); gevah-lev, “coração elevado/arrogante” (Pv 16, 5); lev va-lev, “coração duplo” (Sl 12, 2); amitz-lev, “coração poderoso” (Am 2,16). Pois bem, Jesus ama seu pai com todo o seu coração, isso quer dizer que todo o seu ser interior ama a Deus, seu Pai e, mesmo antes da crucifixão, já exerce a justiça divina em oferecer a Deus Pai o seu coração que é humano. Jesus, em sua encarnação, tendo um coração humano, vive em plenitude o primeiro mandamento.

Na cruz, tendo seu coração transpassado pela lança, não retém nada do seu interior. Do lado aberto, brota a sua Esposa que é a Igreja e, juntamente com ela, os sacramentos. Igreja e Sacramentos são, pois, as formas pelas quais Deus Filho ama ardentemente ao Pai, já que não há nada de Jesus que não seja amor.

O núcleo da espiritualidade teresiana é a sagrada humanidade de Jesus (Vida 12, 2). Esta sagrada humanidade é o centro da vida de todo e qualquer carmelita teresiano. A sagrada humanidade tem seu significado perfeitamente equivalente ao sagrado coração, pois, como mesmo nos diz a Santa Madre, é a Sagrada Humanidade o maior dom para nós (Vida 22, 17). Talvez esses elementos nos fossem suficientes para afirmarmos a profunda ligação do carmelo teresiano com a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, porém há outros elementos não menos importantes que iremos desenvolver.

 

Sob o aspecto histórico, precisamos lembrar que nossa Santa Madre Teresa de Jesus (1515 – 1582) tinha uma relação muito próxima com os jesuítas, que por muito tempo foram seus confessores, de maneira especial Pe. Francisco de Borja (1510 – 1572) Jesuíta, espanhol, contemporâneo de Santo Inácio de Loyola, seu fundador, e que viria a sucedê-lo em 1565. A Companhia de Jesus influenciou consideravelmente a espiritualidade de nossa Santa Madre, basta consultarmos os exercícios espirituais de Santo Inácio para observarmos isso claramente. Contudo, não só isso torna-se pertinente, há um outro jesuíta, citado na encíclica “Haurireis aquas”, de Pio XII, de 1956, chamado são Pedro Canísio, (1521 – 1597), Doutor da Igreja, que é apresentado pelo Papa como importante porta-estandarte da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Vale ressaltar que não há registro do encontro de São Pedro Canísio com Santa Teresa, contudo, a importância de São Pedro Canísio para a Companhia de Jesus influenciou toda uma geração de sacerdotes jesuítas.

Somente em 1673, Jesus aparece para Santa Margarida Maria Alacoque (1647 – 1690), pedindo a consagração da França ao seu Sagrado Coração e fazendo as doze promessas relativas às doze primeiras sexta-feiras do ano. Já em 1747, nasce Santa Teresa Margarida do Sagrado Coração Redi, carmelita descalça que faleceu em 1770. Sua espiritualidade centrada no Sagrado Coração foi marcada por profundas experiências místicas, tornando-a legítima filha de Teresa de Jesus. 

Em 1844, no seminário jesuíta da cidade de Vals, surge o movimento do Apostolado da Oração. Em 1856, o Papa Pio IX, decreta a festa do Sagrado Coração de Jesus para toda a Igreja Católica. De modo que, a riqueza da devoção em torno do Sagrado Coração de Jesus se tornou um bem universal estendido para todas as Ordens, Movimentos e todas e quaisquer expressões eclesiais.

Somente em Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face (1873 – 1897), em suas Obras completas, encontramos mais de trinta citações diretas ao Sagrado Coração. 

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus, sendo parte do patrimônio espiritual universal da Igreja, é encontrada também no devocionário carmelitano de 1899, que contém orações dedicadas ao Sagrado Coração, fazendo parte de nossa prática devocional carmelitana.

             Assim, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus deve estar presente em nossos grupos e comunidades, faz parte de nossa espiritualidade, ou melhor, deve ser o centro dela, já que aponta explicitamente para a sagrada humanidade de Cristo. A Santa Madre, tendo seu coração transverberado, não retém nada para si. Se do Coração de Jesus brotou a Igreja e os sacramentos, do coração aberto de nossa Santa Madre brotou um carisma, como um modo particular de amar a Deus de todo coração.

             Desse modo, para nós carmelitas, a vivência do nosso carisma, que está contido em nossa Regra de Vida e Constituições, é a forma concreta de amarmos a Deus e ao próximo com todo nosso coração. Se é do lado aberto de Cristo que nasce a Igreja e Teresa vive e morre filha da Igreja é, então, esse coração aberto o lugar por excelência do discipulado na escola teresiana, pois a vida de oração, a vida fraterna, a vida apostólica brotam do lado aberto de Cristo.

             Se é verdade que amor com amor se paga, vivamos, pois, a fidelidade ao nosso carisma, como manifestação autêntica de dois corações transpassados, um na cruz por uma lança e outro em oração por um dardo ardente. Que o coração carmelita arda de zelo pelo Senhor dos exércitos!

Viva o Sagrado Coração de Jesus!  

Por Moisés Rocha, OCDS
Comunidade Santa Teresa de Los Andes

Post a Comment