Quaresma – Reflexão para o Carmelita Secular

Quaresma – Reflexão para o Carmelita Secular


Marisa Maria Ribeiro

Vice-presidente provincial OCDS

Quaresma parece que é assim, um tempo difícil, triste, sombrio, caminho de luta e combate espiritual para bem celebrarmos, com o coração dilatado, a Páscoa do Senhor.  Sem Quaresma ninguém celebra verdadeiramente a Páscoa do Senhor!

Quaresma é tempo propício de darmos uma parada e de uma maneira especial, como Carmelitas Descalços Seculares, voltarmos para nós mesmos para vivermos com Jesus na solidão do deserto. Jesus nos convida a estar com Ele no deserto. “…pensar em Cristo atado à coluna, é bom discorrer um pouco e pensar nas penas que ali teve e por que as teve e quem é Aquele que as teve e o amor com que as passou. Mas não se canse em andar sempre a buscar isto, antes se fique ali com Ele, aquietado o entendimento. Se puder ocupá-lo em ver que o Senhor o olha, e acompanhe-O, e fale, e peça, e humilhe-se, e regale-se com Ele, e lembre-se que não merecia estar ali”. Santa Teresa de Jesus (V 13,22).

A Quaresma é tempo de profunda interiorização, “Quaresma, é entrar no deserto. ” (Papa Francisco). Para nós Carmelitas Descalços, entrar no deserto é subir ao Monte Carmelo, é entrar no Castelo Interior e seguir o que a Igreja nos indica como exercícios quaresmais: o jejum, a esmola e a oração.

Jejum – jejuar é saber renunciar às coisas vãs, supérfluas, para ir ao essencial. “O deserto é o lugar do essencial. ” (Papa Francisco). Muitas vezes deixamos de nos comprometer com o que é o essencial da nossa formação carmelitana e nos deixamos envolver por outros caminhos supérfluos que não nos levam ao crescimento de nossa espiritualidade teresiana-sãojoanista e este apetite desenfreado nos leva ao contratestemunho de nossa identidade por não vivermos em comunhão com a Ordem.

O Jejum – Jejuar é despojarmos dos nossos desejos pessoais, é viver as “relações fraternas marcadas pelas virtudes do amor verdadeiro, gratuito, livre, desinteressado; pelo desapego e humildade. São as virtudes fundamentais para uma vida espiritual que trazem a paz interior e exterior”. (Constituições OCDS, lll-B). Com Santa Teresinha, aprendemos que, muitas vezes, atos aparentemente triviais têm um valor penitencial muito maior do que severos jejuns ou outros sacrifícios do corpo. “Minhas mortificações consistiam em dominar minha vontade, sempre pronta a impor-se; em não soltar palavra de réplica; em prestar pequenos obséquios, sem alarde”. São João da Cruz (Epistolário, carta 10)“Acerca da Paixão do Senhor, procure… não querer fazer a sua vontade e gosto em nada, pois ela foi a causa da Sua Paixão e Morte”.

A esmola – a espiritualidade teresiana, ao propor a descoberta do nosso “castelo interior”, nos lembra que esse exercício não se esgota em olharmos apenas para nós mesmos, mas passa também pela experiência de cuidarmos do outro. É o que chamamos de solidariedade, empatia, amor.

Uma atitude de desprendimento importante para hoje é a esmola, pois nos abre para os outros; é sinal da própria comunhão trinitária. Às vezes nossa compaixão não é apenas na direção de um pobre que não tem bem material, mas pode ser diante de um solitário, de uma família passando por crise, um jovem que perdeu o sentido da vida mesmo tendo mil motivos para estar bem. Então não se trata somente de uma compaixão na direção de quem não tem nada, mas na direção de quem está faltando alguma coisa e isso roubou o sentido da vida. Somos todos pobres, dependente de Deus e carentes de formação doutrinal, carmelitana, espiritual, humana e social. Pior pobre é aquele que não se acha pobre e assume o papel de Deus.

O tema da campanha deste ano é “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso” e o lema bíblico é “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”, baseado na parábola do bom samaritano ” nos leva a refletirmos que precisamos ver. Muitas vezes ficamos fechados em nós mesmos no individualismo e corremos o risco de ficarmos desumanos.

Não podemos ficar insensíveis, fechados em nós mesmos. A vida pede socorro:  desafios humanos, pastorais e socioambientais – problemas que emergem em nossa região e carecem de atenção e cuidado. “A política é a arte da grande caridade e da grande compaixão”.

Santa Dulce dos pobres é representada pelo cartaz que orienta a CF, como o bom samaritano dos nossos tempos. Uma mulher corajosa, que viveu entre nós e comprometida com a vida. “Vida doada é vida santificada”, assim dizia ela. Sabemos que a vida não se trata apenas de filosofia ou de uma temática religiosa, mas da essência do ser.

E nesta reflexão e compaixão que a Campanha da Fraternidade 2020 nos impulsiona a olharmos para a vida: dom e compromisso, respeito e atenção, somos convidados também ao gesto concreto nas nossas comunidades. “A oração uns pelos outros, a solicitude fraterna, também no caso de necessidade material, o contato com os membros que estão distantes, a visita aos enfermos, aos que sofrem, aos anciãos e a oração pelos defuntos são também sinais de fraternidade. ” (Constituições OCDS, lll-B 24-d).

oração – é o terceiro exercício com o qual os cristãos se comprometem na Quaresma, abrindo-se para Deus e dedicando tempo e qualidade de relacionamento com o Senhor. Neste tempo de reflexão nós Carmelitas Descalços Seculares somos chamados a fazer um exame de consciência em relação ao compromisso “em procurar ter tempos fortes dedicados à oração, como maior consciência da presença do Senhor e como espaço interior para o encontro pessoal e íntimo com Ele.  Isso o conduzirá a viver a oração como atitude de vida que o fará “reconhecer sempre e em todo lugar a Deus…, buscar sua vontade em todos os acontecimentos, contemplar a Cristo em todas as pessoas, próximas ou estranhas, e julgar com retidão sobre o verdadeiro significado e valor das realidades temporais, tanto em si mesmas e em relação ao fim do homem”. Conseguirá, assim, uma contemplação e ação na história integrando fé e vida, oração e ação, contemplação e compromisso cristão. (Constituições lll – A,20)

Teresa pôs a oração como cimento e exercício primordial de sua família religiosa. Por isso, o Secular está convidado a procurar que a oração penetre toda sua existência, para caminhar na presença do Deus Vivo (I Reis 18,14), mediante o exercício constante da fé, esperança e amor, de tal modo que toda sua vida seja uma oração, uma busca da união com Deus. A meta será lograr, integrar a experiência de Deus com a experiência de vida: ser contemplativos na oração e no cumprimento da própria missão. (Constituições OCDS lll,17)

Às vezes, nós Carmelitas Descalços Seculares, “perdemos tempo” nos deixando envolver por prática de devoções e correntes de orações que não condizem com nossa espiritualidade e nos fazem esquecer dos nossos compromissos de dedicar diariamente a pratica da oração mental, da vida sacramental e litúrgica da Ordem Secular, da celebração da Eucaristia e de rezar a Oração da Manhã, a Oração da Tarde e a Oração da noite da Liturgia das Horas.

Para nós Carmelitas Descalços Seculares a oração não é, portanto, apenas um meio de perfeição, um exercício de vida espiritual, é a ocupação essencial que deve preencher o nosso dia. Neste silêncio desértico, devemos reviver o ideal primitivo, essencial, da oração carmelitana.

Desejo, em nome do Conselho Provincial OCDS, uma santa Quaresma a todos e que possamos viver este tempo de reflexão recolhidos em uma “solidão povoada” e num “silêncio barulhento” no deserto e revivermos para uma vida nova de verdadeira conversão em nossa vocação teresiana.

O que torna belo o deserto é que ele esconde um poço nalgum lugar… 

Senhor,
nesta Quaresma,
tempo de mergulhar no meu interior,
de revisão e de conversão,
ensina-me a descer sempre mais
até onde Tu te encontras: o meu coração.

Como “descer” até aí?
Pelo silêncio, encontrando tempo para rezar,
pela leitura da Tua Palavra que tanto me quer dizer,
pelos Sacramentos,
especialmente a Confissão e a Santa Missa.

Também pela aceitação das contrariedades,
o peso das circunstâncias e da monotonia da vida…
com os olhos postos em Ti.

Senhor, Tu que estás no meu íntimo,
ajuda-me nesta Quaresma,
a fazer uma viagem ao meu interior,
para aí me encontrar conTigo!

Francisco Palau

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